O linguajar revela nossas ideologias. Humanas ou anti-humanas. Ao dizer "tenho direito a usar meu corpo", a pessoa estabelece uma dicotomia eu-corpo. Meu corpo está externo a mim, posso usá-lo como uso uma mercadoria, seja esta um perfume ou uma nave espacial. Posso usá-lo como os senhores usavam os corpos dos escravos e escravas. Posso usá-lo como Hitler usava os corpos dos judeus. Posso usá-lo para me dar prazer.
A coisificação do corpo é uma das dimensões possíveis do relacionamento da pessoa consigo mesma. E dos relacionamentos da pessoa com as outras pessoas. Os usos acima bem exemplificam esta possibilidade. São possibilidades colocadas pelo capital, todas pautadas pelo valor de uso. É a "mercadorização" do corpo. Sim, porque o capital transforma tudo em mercadoria. Livre, a pessoa humana pode relacionar-se consigo mesma neste padrão dicotômico. Afasta-se de si para usar seu corpo como algo estranho a si.
Esta não é, porém, uma relação personalizante. Pelo contrário, é coisificadora da pessoa. Eu me transformo em uma coisa-mercadoria para mim mesmo. Perfeitamente conformado com o sistema de exploração capitalista da pessoa humana. E, pior, muitas vezes, fazendo o discurso da liberdade. Clamando: "Eu quero usar meu corpo para me afirmar como pessoa livre!"
A relação da pessoa com sigo mesma na base do corpo-coisa não é a única possível. Pode haver uma relação corpo-pessoa. Tomaz de Aquino definiu pessoa em sua Suma Teológica como "substância indivisível dotada de razão". Nada complicado, porém de conseqüências radicais: o corpo é material. Sua dimensão totalizante não admite mutilações. É capaz de se autodeterminar da melhor forma, frente a alternativas.
O Ocidente ainda não elaborou definição melhor. Esta definição de pessoa dá sustentação a todos os códigos de relacionamento social criados até aqui: pela vida humana, contra a tortura, contra mutilações, por justiça social, por um mundo ecologicamente correto, e por aí vai.
A sociedade brasileira vai posicionar-se acerca de pesquisas científicas com células-tronco. Resta saber se vencerá o conceito de corpo-mercadoria ou o de corpo-pessoa.
sábado, 8 de março de 2008
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Ademir, muito apropriado a sua reflexão. E é um conceito longevo, não é passageiro. Se poderia discuti-lo em qualquer momento da história da humanidade. Na atualidade mais ainda, considerando todos os aspectos retratados por você, mas, principalmente, por conta do modelo ideológico, cultural e social que estamos inseridos. Ser corpo, ser sujeito neste modelo, parece que é cada vez mais difícil. Por isso, os "heróis", a resistência, os baluartes que se insurgem são às vezes tão perseguidos. E na realidade o poder que está em disputa se perfaz numa luta fraticida muito grande. Às vezes não percebida por muitos. Mas a resultante parece ser ou favorável ou apropriada (de apropriar-se) por aqueles que durante décadas se mantiveram do lado da minoria privilegiada. Fico, às vezes, muito triste por, na minha própria casa, sem vencido pelos apelos do "ter corpo".
ResponderExcluirAdemir, o anônimo do comentário anterior, foi eu. Ainda estou me acostumando ao sistema. Reforço, o aspecto final:"...fico, às vezes, muito triste, por na minha própria casa, na minha família, ser vencido pelos apelos do "ter o corpo".
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