sábado, 29 de março de 2008

“O NOSSO FUTURO COMUM”

Por

José Lemos
Engenheiro Agrônomo.
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. lemos@ufc.br.

Ao Final de 1987 reuniu-se na Noruega a Comissão Mundial do Meio Ambiente com a participação de dirigentes dos Países filiados à Organização das Nações Unidas. Naquele conclave foi produzido o Relatório de Brundtland, assim chamado em homenagem à primeira ministra Norueguesa, senhora Grö Harlen Brundtland, como título “O Nosso Futuro Comum”. A partir daquele Relatório, o conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser mais difundido e a merecer uma maior atenção daqueles que tem responsabilidade sobre a condução das políticas públicas, por quem milita nos movimentos sociais em prol das causas ambientais e também para os Acadêmicos.

Conforme aquele relatório, Desenvolvimento sustentável é aquele que viabiliza no presente melhores padrões de qualidade de vida, sem afetar a base dos recursos naturais, de tal sorte que as gerações futuras possam usufruir um planeta pelo menos igual ao que nós vivemos. Trata-se de concepção de desenvolvimento muito difícil de ser atingida no modelo de economia que tem no imediatismo e nos elevados padrões de pobreza atualmente prevalecentes no mundo, alguns dos seus principais óbices. Já mostramos em texto anterior neste espaço que pobreza e devastação dos recursos naturais caminham juntas. Portanto, sem reduzir os níveis atuais de pobreza é impossível pensar em desenvolvimento, e muito menos em desenvolvimento sustentável.

O Relatório de Brundtland apresentou sugestões que deveriam ser seguidas pelos países no sentido de buscarem o desenvolvimento sustentável. Dentre estas sugestões uma das mais relevantes seria a limitação do crescimento populacional. Esta proposição fundamenta-se no fato de que o tamanho físico do planeta terra é finito e, na medida em que a população cresce, há uma maior pressão sobre todos os seus recursos.

Atualmente a população mundial está em torno de 6,7 bilhões. Toda essa gente se levanta todos os dias precisando se alimentar. Em média cada pessoa necessita de aproximadamente 1000 gramas de alimentos por dia. Por este dado podemos aferir o tamanho do problema: retirar do solo este montante de comida todos os dias para garantir segurança alimentar.

Além disso, cada pessoa necessita, segundo a ONU, de aproximadamente 20 litros de água diariamente para beber, preparar alimentos e para a higiene pessoal. A disponibilidade de água doce no planeta é restrita e mal distribuída. Essa gente produz dejetos e resíduos sólidos diariamente. Esse material precisa de local para acondicionamento de forma segura para não contaminar o ambiente. Ou seja, necessita-se de serviço de saneamento e de locais adequados para acondicionar os resíduos sólidos.

No seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 2006, a ONU enfatiza as dificuldades decorrentes da falta de acesso ao saneamento e à água potável para as populações. Segundo aquele Relatório, em torno de 2,2 bilhões da população do planeta não dispõem desses serviços. Estas seriam algumas das causas das mortalidades: infantil, de crianças menores de cinco anos e de idosos no mundo.

A sugestão do Relatório de Brundtland é no sentido de que as populações, sobretudo as pobres, sejam expostas a informações e a condições que lhes viabilizem planejarem o tamanho das suas famílias. De outro modo, a explosão demográfica exorbitará e com ela a urbanização das populações acontecerá de forma incontrolável. Contudo, o aumento das populações urbanas não decorre apenas do seu crescimento vegetativo, mas é significativamente incrementado pela migração das populações rurais, empobrecidas, sem acesso à terra e à renda, e que buscam melhor qualidade de vida nas cidades sem dispor, entretanto, de condições para se estabelecer dignamente nessas áreas urbanas. Consequentemente haverá uma pressão sobre os serviços públicos, comprometendo a sua eficiência e qualidade.

Assim, além do controle populacional, parte dos problemas das cidades pode ser atenuada com ações de políticas públicas para reduzir o êxodo rural, de onde se depreende que, para haver desenvolvimento sustentável, há que se promover desenvolvimento rural. Esta é uma das implicações do Relatório de Brundtland. Os dirigentes insistem em desconhecê-las, por isso o caos social e ambiental nos atemoriza.

(Publicado simultaneamente no jornal O Imparcial, de São Luís MA)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Gotas Ácidas

#Para que, mesmo, palitos embalados em plástico?
#A pessoa estuda, estuda e se capacita, para depois omitir-se ante a vontade dos poderosos. Para que tanto investimento em educação?
#Adianta percorrer quilômetros em avião a jato, para depois ficar horas no engarrafamento?
#Estamos torrando o Cerrado brasileiro para mandar carne e, assim, matar europeu de doenças coronárias. Dito de outra forma: queimamos o Cerrado para exportar soja que alimentará gado que matará europeu do coração.
#Para que canudinho, se posso levar o copo à boca?
#Prefeitos do Ceará alegam aceitar a deterioração do litoral em nome do desenvolvimento e criticam o Ministério Público Federal por exigir o respeito à lei. Cadeia pra eles.
#Que usa saco plástico não pode se queixar de entupimento de bueiros.
#Vale a pena chegar ao governo sem poder para implementar bandeiras pelas quais lutou por uma vida?
#“Não existe luta pura” (Simone de Beauvoir, Moral da Ambigüidade)
#Para que copo plástico, se posso usar copo de vidro?
#Parece que a juventude 1968 do “Seja razoável. Exija o impossível” estava certa. O possível fez-nos chegar ao atual estado de coisas.

segunda-feira, 24 de março de 2008

“SIM, NÓS PODEMOS”

Soluções simples e factíveis não exigem grandes somas de recursos financeiros.

Por
José Lemos
Engenheiro Agrônomo. Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. Ex-Secretario de Assuntos Estratégicos e de Agricultura do Maranhão em 2005/2006. lemos@ufc.br. O Artigo pode também ser lido nos endereços

Esta é a frase predominante na campanha do Senador negro Barack Obama na disputa em que busca ser designado para ser o candidato do Partido Democrata nas eleições deste ano na maior economia do planeta, que passa por momentos difíceis, em grande parte, pelo despreparo intelectual e gerencial do atual presidente. A disputa este ano ao cargo mais poderoso, e de maior prestígio no mundo, terá um condimento adicional: pela primeira vez uma mulher ou um negro o disputarão por um dos grandes partidos políticos norte-americanos.
Mas a passagem acima foi colocada para destacar a frase que tanto impacto vem causando na campanha do Senador Obama. Tornou-se verdadeiro “grito de guerra” dos seus adeptos (que não são poucos) por ele possuir uma retórica fluente, firme e postura sedutora de grandes massas. A frase “Sim, nós podemos” bem que pode servir de mote para qualquer uma das economias pobres que dispõem de potencial para deslanchar um ciclo virtuoso de progresso social e econômico, inclusive a maranhense.
Nos países desenvolvidos, sobretudo da Europa, existem grupos de consumidores interessados em adquirir bens egressos de economias pobres, produzidos por grupos sociais em busca de melhores qualidades de vida. Há uma fatia expressiva de mercado para itens produzidos sem a agressão ao ambiente. São os chamados “fairtrade” (comércio justo) que priorizam a aquisição de bens que agregam valor social e ambiental na sua composição.
Como seriam esses bens? Seriam artesanatos produzidos por associações cadastradas e com o seu trabalho sendo reconhecido como de interesse social. Seriam demandas por tecidos ou por fios de algodão coloridos, já bastante produzidos na Paraíba, mas com potencial para expansão para outros Estados. Seriam bens egressos de áreas nativas da Amazônia ou do Nordeste que são cultivados ou extraídos utilizando manejo adequado, preservando a fauna e a flora nativas. Cita-se, por exemplo, o caso da juçara no Maranhão (ou o açaí como é conhecido mundo afora). O fruto da juçareira tem larga demanda nesses mercados tanto como alimento saudável e como produto energético utilizado em academias de escultura do corpo. Da juçareira manejada de forma correta, mantendo três palmeiras por touceira (“mãe”, “filha” e “neta”), desbastando as excedentes produz-se o palmito de forma sustentável. A juçareira por ser monocotiledônea, tem um sistema radicular denso, que é excelente para segurar erosão e recompor as matas ciliares de rios e de outros corpos de águas superficiais que estejam em agonia. Por essas características a juçara é um excelente item para compor a cesta de bens para o “fairtrade” .
No Maranhão existe uma experiência exitosa de um grupo de agricultores e extrativistas familiares que já participam de “fairtrade”. Trata-se da Cooperativa Agroextrativista de Lago do Junco (COOPALJ). Esta cooperativa adquire as amêndoas das quebradeiras de coco babaçu através de oito (8) cantinas localizadas em pontos estratégicos do município. As quebradeiras de coco entregam a sua produção de amêndoas nessas cantinas e recebem um preço diferenciado para cima (em relação ao que é praticado nos mercados locais). Elas podem optar em receber o pagamento em dinheiro ou em mercadorias. Como a Cooperativa adquire os mantimentos com descontos, são repassados aos associados por um preço diferenciado para baixo (também em relação aos mercados locais). Um caminhão da Cooperativa recolhe as amêndoas e leva para a sede. Junto com as amêndoas são coletados os resíduos, que são o epicarpo e endocarpo, de elevado poder calorífico. Esses resíduos alimentam as fornalhas que transformarão as amêndoas em óleo bruto. Todo o óleo é exportado para a Inglaterra através do “fairtrade”. A demanda é cativa e os preços são diferenciados porque os importadores conhecem todo o sistema de produção solidária. Todos os sócios recebem as sobras que são distribuídas de forma proporcional, depois de cobertas as despesas operacionais da Cooperativa.
É bastante provável que o biocombustível utilizado no Boeing 747 que voou de Londres para Amsterdã no final do mês passado tenha sido fabricado a partir do óleo de babaçu produzido pela COOPALJ que movimenta recursos superiores ao FPM de Lago do Junco. Trata-se de uma grande experiência que os maranhenses deveriam conhecer e que talvez valha a pena ser adotada como inspiração e modelo. Como aquela, podem ser desenhadas muitas alternativas de produção solidária que tem mercados cativos através dos “fairtrade”. Como diria o Senador Obama, “Sim, Nós Podemos”. Eu acrescentaria: Basta que queiramos e tomemos decisões ousadas, com responsabilidade e competência técnica, pois soluções simples e factíveis não exigem grandes somas de recursos financeiros.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Haverá Água para Todos?

Texto-reflexão para o Dia Mundial das Águas, 22 de março. A data foi criada pela ONU, por determinação da 2ª Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, a Rio 92.

Pesquisa de
Vólia Barreira


Nos últimos 60 anos a população mundial duplicou. No mesmo período, o consumo de água pelas diferentes atividades humanas aumentou em 7 vezes, enquanto a quantidade de água existente permaneceu igual. O aumento da população urbana, aliado à poluição e ao mau uso da água, compõe um quadro preocupante. Garantir água de boa qualidade nas grandes cidades, será um dos principais desafios deste século.
Estresse hídrico é a relação entre a disponibilidade natural e os diversos usos que o homem faz da água, como a produção de alimentos, o abastecimento público, a geração de energia, a diluição de esgotos, entre tantos outros. O estresse hídrico já é uma realidade em várias metrópoles mundiais.
Com as previsões de alterações climáticas no cenário mundial, ocorrerão mudanças nos regimes de chuvas em vários locais do planeta, inclusive no Brasil, que prenunciam um cenário ainda mais sombrio de restrição do acesso à água em um futuro próximo, com proporções gigantescas, caso as previsões se confirmem nas próximas décadas.
O Brasil, que possui 12% de toda a água limpa do planeta, é um dos países que mais desperdiçam água no mundo.
Um estudo divulgado em novembro passado pelo Instituto Socioambiental – ISA, lançou luz sobre a situação do abastecimento público e do saneamento básico nas 27 capitais brasileiras. O levantamento revela que 45% da água retirada dos mananciais das capitais são desperdiçados em vazamentos, submedições e fraudes. A quantidade de água jogada fora é estimada em 6,14 bilhões de litros por dia (o equivalente a 2.457 piscinas olímpicas) e seria suficiente para atender ao consumo diário de 38 milhões de pessoas – isto é, toda a população de um país como a Argentina!


Alguns dados da pesquisa são preocupantes:

ABASTECIMENTO. Apenas seis das 27 capitais, atendem à totalidade de sua população; apesar da média de cobertura ser de 90%, Porto Velho, Macapá e Rio Branco cobrem apenas 30,6%, 58,5% e 56,2% de suas populações, respectivamente.
CONSUMO. A média de consumo per capita nas capitais é de 150 litros por dia, acima portanto, do recomendado pela ONU, que é de 110 litros/dia; São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória apresentam os maiores consumos: mais de 220 litros/habitante/dia.
PERDA (por vazamentos e outros fatores). A água perdida diariamente nas capitais seria suficiente para abastecer 38 milhões de pessoas/dia; em termos percentuais, a campeã do desperdício é Porto velho, com 78,8% do total; em termos de volume perdido, o Rio de Janeiro ganha, jogando fora diariamente um volume igual ao de 618 piscinas olímpicas. Em Fortaleza, a perda de água chega a 47,9%, equivalente a 99 piscinas olímpicas, o que daria para abastecer uma população de 2.077.621 pessoas por dia!
Outro ponto que o estudo avaliou foi a situação do esgotamento sanitário nas grandes cidade do País. O descaso e a ausência de investimentos no setor, em especial nas áreas urbanas, são flagrantes. Quase metade da população residente nas capitais brasileiras (45%) tem seus esgotos despejados nos rios e no mar sem qualquer tratamento. E uma parcela significativa dessa população (13 milhões de habitantes) não dispõe sequer da coleta dos resíduos, convivendo de perto – nas portas ou nos fundos das casas – com a imundície e a poluição. Manaus, Belém e Rio Branco possuem os piores índices, com 3% dos seus moradores atendidos pelo serviço.
Cerca de 50% dos habitantes de Fortaleza não têm acesso à coleta e tratamento de esgoto. Lixo, enchentes, contaminação dos mananciais, água sem tratamento e doenças apresentam uma relação estreita. Diarréia, dengue, febre tifóide e malária, que resultam em milhares de mortes anuais, principalmente de crianças, são transmitidas por água contaminada por esgotos humanos, dejetos animais e lixo. Nada menos que 70% das internações na rede pública de saúde estão relacionadas com doenças transmitidas pela água!
Um dos maiores trunfos do Brasil em relação a garantia de abastecimento é o Aqüífero Guaraní, maior reserva de água doce subterrânea do mundo. Do potencial e água renovável que circula nesse reservatório, entre 24% e 48% podem ser explorados.
No entanto esse fabuloso recurso não está isento de problemas. Primeiro, devido à contaminação, que já vem ocorrendo em decorrência de vários fatores, entre eles, o grande número de poços operados e abandonados sem tecnologia adequada. Depois, porque a área do Guarani se distribui por vários territórios: 70% no Brasil e o restante em argentina, Paraguai e Uruguai.Tal peculiaridade torna necessário uma ação conjunta dos 4 países no sentido de defender sua soberania sobre o aquífero, e regular seu uso de forma justa e parcimoniosa.
Para que seja assegurada a sustentabilidade no abastecimento de água nas grandes cidades mundiais, é fundamental que os governantes adotem políticas públicas que promovam a proteção dos mananciais, a ampliação das áreas permeáveis, a diminuição dos desperdícios e perdas, juntamente com a racionalização e o uso mais equitativo desse recurso fundamental para a vida no planeta.
Para proteger os mananciais, é necessário frear a expansão da mancha urbana para as capitais, garantir condições de vida adequadas para os moradores e investir em saneamento. Também é fundamental proteger e ampliar as áreas com cobertura vegetal e valorizar os serviços oferecidos em suas imediações, entre eles, o provimento de espaços de lazer para a população.


Fontes: IBGE/2004
Instituto Socioambiental – ISA - http://www.mananciais.org.br/
Revista Le Monde Diplomatique/Brasil - janeiro/2008

AMBIENTALISTAS COMEMORAM VITÓRIA NO TRF CONTRA PRODUÇÃO DE CARVÃO

A coordenação da Rede Ambiental do Piauí, em nota, afirma que o Piauí só tem a ganhar com a proteção dos seus recursos naturais, e que é impossível não se sensibilizar com os desmandos autorizados pelo poder público local.

Por
Dionísio Carvalho

A Rede Ambiental do Piauí -- REAPI -- e a Rede Mata Atlântica (RMA) comemoram a decisão da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que suspendeu nesta quarta-feira (12) por unanimidade a autorização de desmatamento de 78 mil hectares concedida à empresa JB Carbon, produtora de carvão vegetal a partir das florestas de Caatinga, Cerrado e até Mata Atlântica.

O projeto da empresa, chamado de Energia Verde, tinha mais de 300 fornos que produziam carvão vegetal em escala industrial. O empreendimento sofreu paralisação por ordem do Juízo de 1º grau, a pedido do Ministério Público Federal.

A atividade econômica considerada insustentável por ambientalistas e especialistas da área foi finalmente paralisada pelos desembargadores da Quinta Turma do TRF, que tinha como relatora a desembargadora Federal, Selene Maria de Almeida. Ela usou em sua decisão documentos e fotos mostrando a destruição da fauna e flora brasileira ao sul do Piauí, causadas pelo o que os ambientalistas chamam de modelo de desenvolvimento a qualquer custo.

A área segundo pesquisadores é o encontro de três importantes biomas no planeta: Caatinga, Cerrado e o que resta da Mata Atlântica no Piauí. Dados do MMA revelam que cerca de 93% da mata atlântica original do Brasil já foi devastada.

Uma verdadeira batalha de ambientalistas da RMA e REAPI foi travada contra o Governo do Estado, deputados federais, estaduais e empresários do ramo carvoeiro após reportagem veiculada em rede nacional, no dia 26 de janeiro de 2007, pelo Globo Repórter.

Desde então o Governo do Piauí tem sido o maior advogado da JB Carbon. Concedeu até 12 anos de isenção fiscal para a empresa carioca, ela inclusive conseguiu duas autorizações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para prospectar minério de ferro nas proximidades da Serra Vermelha. A JB Carbon também aparece como uma das doadoras de recursos para campanha de reeleição do governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

Mas apesar das dificuldades e retaliações enfrentadas pelos ambientalistas eles comemoram a decisão da Justiça. A coordenação da REAPI em nota afirma que o Piauí só tem a ganhar com a proteção dos seus recursos naturais, e que é impossível não se sensibilizar com os desmandos autorizados pelo poder público local.

Dionísio Carvalho
Rede Ambiental do Piauí - REAPI
(86) 8802-3879

Revista Piauí Interroga: A Vale é Verde?

A Revista Piauí publica matéria "A Vale é verde?", assinada por Luiz Maklouf Carvalho, em que afirma que a Companhia Vale do Rio Doce gastará até o fim do ano mais de 400 milhões de reais na preservação do meio ambiente. Paradoxalmente, a Vale é também a mineradora campeã em multas do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. Desde a privatização, levou 56 autos de infração, no valor de 37 milhões de reais. A mineradora não reconhece a maioria deles.
Em maio, a Vale comemora 10 anos de privatizada. No mês seguinte, ela completa seu sexagésimo quinto aniversário. Trata-se da segunda maior mineradora do mundo (a maior é a anglo-australiana bhp Billiton). O investimento agora anunciado é quatro vezes mais do que desembolsou em 2004 em projetos ecológicos. O investimento reforça sua imagem de companhia "verde", estratégia importante para ganhar pontos num mercado internacional cada vez mais sensível às questões ambientais.
O artigo conclui que "a estratégia ambígua da Vale de investir no meio ambiente e paralelamente recorrer das multas não é uma invenção da administração privada. A maior das estatais, a Petrobras, também é uma das maiores infratoras das leis ambientais do país. Além do mais, desde a privatização o investimento da Vale na área se multiplicou, assim como a cobrança dos órgãos ambientais. Entre 1979 e 1989, por exemplo, no período anterior à privatização, a Mineração Rio do Norte, ligada à Vale, provocou um dos maiores desastres ambientais da Amazônia: despejou 24 milhões de toneladas de rejeitos da lavagem de bauxita no lago Batata, no Pará. Não houve multa, nem ação do Ministério Público".

CATEDRÁTICO DO ÓBVIO: REFLEXÕES

Casal que torturou criança pode ser indiciado por exploração de trabalho escravo infantil. O marido da torturadora será acusado de omissão de socorro e a mãe biológica da menina, de negligência.
Onde estavam os vizinhos do casal Marco Antônio e Sílvia Calabresi? Por que não denunciaram, pelo menos a suposição de que os dois mantinham, em situação de trabalho escravo infantil, a menina de 12 anos encontrada acorrentada no apartamento deles?
A mãe biológica da criança disse que havia doado a menina para a empresária, mas a polícia descobriu que recebia ajuda financeira – que variava de R$ 100 a R$ 800 e até R$ 1.000 – a cada vez que a que ia ao apartamento do casal sob a alegação de visitar a menina. Isso lá é mãe!!
Já há a notícia de episódios envolvendo outras três meninas, além da manicure Lorena Coelho Reis, hoje com 20 anos, que deu queixa no 5º DP de Aparecida de Goiânia (GO). Outro novo caso é de uma garota com 11 anos, que morou com a empresária quando tinha 4 anos e esteve com a mãe na delegacia, denunciando a tortura.
A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolecente e o Ministério Público estão cumprindo seu dever. Este é o lado bom da história.
(Comentário baseado em notícias veiculadas pela Andi)

5º MANUAL DA MÍDIA LEGAL ABORDA DIFERENTES FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO

A publicação apresenta os casos mais comuns da prática, que é considerada crime pela legislação brasileira, e mostra o que o cidadão pode fazer para se defender

Da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi)

A Organização Escola de Gente - Comunicação em Inclusão vai lançar, no dia 25 de março, durante a Semana Estadual de Juventude, o Manual da Mídia Legal 5 - Comunicadores pela Não-discriminação, no Palácio Guanabara (RJ). O evento será iniciado às 18h e vai contar com a presença da Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva e da procuradora da República no estado de São Paulo, Eugênia Augusta Fávero, que representará a Escola Superior do Ministério Público da União. A mesa será moderada pela jornalista Claudia Werneck, superintendente geral da Escola de Gente.

O objetivo do Manual é refletir sobre todas as formas de discriminação: de raça (negros, índios) , de gênero (mulheres /GLBTT), contra pessoas com deficiência, moradores de comunidades populares, etc. "Queremos estimular o debate sobre o que é discriminação e colaborar para combater valores, condutas, comportamentos e políticas públicas discriminatórios que violam os direitos humanos e anulam a diversidade. Isso só é possível a partir do diálogo entre diferentes setores", explica Claudia Werneck. Ela aponta a necessidade de a mídia ser mais crítica em relação ao que é discriminar, uma vez que é com base no que é divulgado na imprensa que a população em geral forma opinião sobre diferentes temas.

A publicação apresenta os casos mais comuns de discriminação, que são considerados crimes pela legislação brasileira e mostra o que o cidadão pode fazer para se defender. Traz ainda a análise de oito matérias jornalísticas e anúncios publicitários, realizada por universitários, representantes do Ministério Público e equipe da Escola de Gente.

Resultado de discussões

O manual é resultado do 5º Encontro da Mídia Legal, que contou com apoio da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e capacitou estudantes dos cursos de Direito, Comunicação Social e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em setembro de 2007, para se tornarem Agentes da Inclusão e atuarem no combate a toda forma de discriminação.

O encontro foi inspirado na carta "É Criminoso Discriminar" - redigida e assinada por representantes de 28 países e 19 membros do Ministério Público da América do Sul. O documento aponta a urgência de se conscientizar a população sobre a gravidade do cenário discriminatório no qual vivemos e sobre a necessidade de responsabilização daqueles que cometem atos de discriminação, pessoal e institucionalmente.

A publicação faz parte de série que a Escola de Gente edita, desde 2002, com o objetivo de qualificar a mídia brasileira na abordagem do tema da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Esta quinta edição conta com o patrocínio da Petrobras e apoio da Rede
ANDI Brasil e tem tiragem de cinco mil exemplares, oferecidos em tinta, braile e em CD (versão em áudio).

O livro será distribuído gratuitamente. A partir da semana que vem, uma versão estará disponível para download no site da instituição (www.escoladegente.org.br).

São parceiros do projeto a Escola Superior do Ministério Público da União, Instituto C&A, Instituto Ágora em Defesa do Eleitor e da Democracia e Universidade Estadual do Rio de Janeiro

* Com informações da Coletivo Comunicação e da Escola de Gente

Agenda:
O QUÊ: Lançamento do 5º Manual da Mídia Legal - Comunicadores pela não-discriminação.
QUANDO: 25 de março, às 18h
ONDE: Auditório do Prédio anexo ao Palácio Guanabara (Rua Pinheiro Machado, s/nº - Laranjeiras, Rio de Janeiro, RJ)

Informações:
Coletivo Comunicação - coletivocom@gmail.com
Liseane Morosini: (21) 8885-1486
Eliane Araújo: (21) 8131 9210

Escola de Gente
(21) 3154-7934

Liminar suspende construção de empreendimento em Camocim

Denúncias de pescadores, feitas em 2005 ao Ministério Público, resultaram na investigação que envolve posse de terrenos da União, além de suspeitas de fraudes na lavratura dos títulos de posse a grupo italiano
Por
Marcos Cavalcante
JORNAL O POVO - CEARÁ - 18/03/2008 00:38

O juiz federal de Sobral, José Maximiano, concedeu liminar determinando a suspensão de construções da Cidade Turística Marilha, empreendimento que seria realizado em uma área de mais de 600 hectares, entre o município de Camocim e a vila de Maceió, que seria construído pelo grupo italiano Marilha Holding. A liminar também determina o bloqueio de oito matrículas de títulos da área por haver indícios de fraude para obter a propriedade do terreno.

No entendimento do magistrado, a licença ambiental para construir no local deveria ter sido concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas quem ajuizou o licenciamento foi a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), o que não poderia acontecer, já que parte do terreno é de propriedade da União e de preservação permanente, não podendo ser destruído. A área em questão pega parte de um manguezal e ocupa um terreno de Marinha. A decisão judicial ainda cabe recurso.

De acordo com o procurador da República Ricardo Magalhães Mendonça, A Ação Civil Pública (ACP) que resultou na liminar partiu de denúncias de pescadores feitas ainda em 2005. "Eles se sentiram ameaçados com os conflitos latifundiários e nos procuraram", diz. Desde então, os ministérios públicos estadual e federal passaram a investigar o grupo. Eles descobriram que as escrituras de compra e venda dos terrenos foram lavradas no cartório de imóveis de Camocim, que possui como tabeliã titular a esposa de um dos sócios do grupo. Segundo a lei 8.935/94, o tabelião é proibido de lavrar escrituras a parentes próximos.

Grilagem
Para Ricardo Magalhães, a atitude dos dirigentes da empresa pode ser entendida como grilagem, já que eles tentaram se apoderar ilegalmente de terrenos pertencentes à União. "Boa parte dos terrenos são de marinha. Está escrito que, em um dos lados, eles fazem divisa com o Oceano Atlântico", frisa Magalhães. O titular da Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU), Carlos Roberto Nevares, confirma que parte do terreno que o grupo Marilha Holding alega ser dele é área de preservação permanente. Uma outra parcela, também pertencente à União, pode ser regularizada, mas desde que o vendedor apresente que não possui dívidas relativas à propriedade junto ao Governo Federal. "Vamos verificar a data em que o terreno foi ocupado", completa Nevares.

O POVO procurou a Semace para comentar a licença ambiental expedida, mas a assessoria de comunicação do órgão disse que só irá se pronunciar quando for notificada oficialmente. O POVO também tentou entrar em contato com a diretora do Marilha Holding, Maria Mapurunga, durante a tarde de ontem, mas ela não foi localizada. Já o telefone do cartório de imóveis de Camocim estava programado para não receber chamadas.


SAIBA MAIS

O grupo Marilha Holding é formado por um conjunto de empresas de variados setores, como construção civil, serviços, sociedades comerciais, entre outros. Um dos objetivos do grupo é realizar o projeto Camocim Global Village.

Segundo o site da empresa, um grupo de italianos em visita ao Ceará, em 1996, conheceu o município de Camocim e resolveu aproveitar os potenciais ambiental e histórico da cidade para a realização do projeto. A idéia, segundo o site, é desenvolver ações locais que respeitem a população local e o meio ambiente.

De acordo com o titular da Gerência Regional de Patrimônio da União (GRPU), Carlos Navares, muitas vezes, brasileiros se dizem proprietários de terrenos que pertencem à União a estrangeiros, que procuram regularizar a situação. A posse pode ser regularizada, desde que o terreno não seja de preservação permanente.

São vistos itens como tempo de ocupação, benfeitorias como construções, e o pagamento do laudêmio, um valor correspondente a 5% do terreno e benfeitorias existentes, que deverá ser paga pelo vendedor à União.

Pela legislação brasileira, de 1831, os terrenos de Marinha correspondem à faixa de 33 metros a contar da linha de preamar (média das mares na praia no espaço de um ano). As áreas formadas pelo recuo do mar com o tempo também ficam sendo de propriedade da União.

Os manguezais também são área de preservação permanente. Neles, a área de marinha estende-se quando a linha de água do mar na área formar um fio de, no mínimo, cinco centímetros.

Além do estado e do Governo Federal, os municípios também devem responder pela questão ambiental. Eles são responsáveis por fiscalizar e autorizar construções na área.

FONTE DO JORNAL O POVO: www.spu.planejamento.gov.br; www.marilha.com; e entrevistados

FONTE DESTA NOTÍCIA: http://www.opovo.com.br/opovo/ceara/773818.html

POLÍTICA PÚBLICA ABRE OPORTUNIDADE PARA OS JOVENS

O governo federal expandiu neste ano o Bolsa Família para jovens de 16 e 17 anos e integrou programas de modo a ampliar o Projovem. E promoverá a I Conferência Nacional de Juventude, para medir o impacto dessas medidas e debater novas políticas públicas. Os debates, entre os dias 27 e 30 de abril, em Brasília, irão consolidar o trabalho de mais de 245 mil pessoas em todo o Brasil, que participaram das etapas preparatórias.

(Fonte: Em Questão, editado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Nº 621 - Brasília, 20 de março de 2008).
Mais informação: secom.planalto.gov.br.
Contato: emquestao@secom.planalto.gov.br

terça-feira, 18 de março de 2008

Degradação Ambiental e Pobreza Caminham Juntas

Por
José Lemos
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”. lemos@ufc.br.

Existe uma relação inequívoca entre pobreza e degradação ambiental, que se torna mais nítida e mais problemática devido ao contínuo domínio da riqueza e do poder, por sujeitos privilegiados da sociedade que se apropriam de todos os ativos, inclusive os recursos naturais. A concentração de riqueza e dos recursos naturais contribui para o aprofundamento da privação material de segmentos significativos da população e para a vulnerabilidade dos grupos sociais pilhados em estado de apartação social, e é determinada, principalmente, pelas políticas em nível local. Contudo, esses efeitos podem ser reforçados por políticas nacionais e pelo comportamento da economia mundial.
Nesta perspectiva, os programas de ajustes conjunturais (estabilização monetária), normalmente levados a efeito nos países subdesenvolvidos, contribuem significativamente para elevar os fossos existentes entre ricos e pobres, sobretudo nas áreas mais carentes, e têm aprofundado as contradições sociais, gerando mais exclusão social. Isso porque o fardo desses ajustamentos sempre recai sobre os mais pobres sob a forma de salários aviltados e desemprego.
A literatura que aborda a conexão entre pobreza e degradação do meio ambiente assegura que os pobres agridem o ambiente porque não têm acesso à terra (em quantidade e qualidade) ao crédito, à tecnologia adequada, à informação e às condições dignas de moradia. Como conseqüências, são forçados a depredarem os recursos naturais e o ambiente para poderem manter a sobrevivência. As táticas de sobrevivência dos pobres os conduzem a uma ação indiscriminada, ainda que não necessariamente consciente, que degrada os recursos naturais.
Afinal, “Que significado pode ter a idéia de ecossistema, de estabilidade biológica ou de contaminação ambiental para as imensas massas analfabetas do mundo subdesenvolvido, cuja luta cotidiana e desigual é por sua própria sobrevivência em condições precárias e absolutamente hostis? A rigor, sem uma prévia solução dos graves problemas sócioeconômicos, que assegure uma perspectiva de vida razoavelmente digna para as populações carentes do Terceiro Mundo, pouco ou nada pode ser feito para evitar que elas também contribuam para a degradação dos recursos naturais. É utópico, e politicamente equivocado, supor, ou esperar, a formação de uma consciência ecológica sob os escombros da miséria que prevalece no Terceiro Mundo”. (Lemos, 2005).
Além disso, se forem privadas de locais adequados para colocarem os seus dejetos e também privadas do serviço de coleta sistemática do lixo, as famílias pobres darão qualquer destino para esses resíduos, e os colocarão nos córregos, nas ruas, no mato, ou em outros lugares não apropriados. Deve ficar claro que este comportamento se constitui numa atitude extrema de famílias que sobrevivem em condições absolutamente indignas com a sua condição de seres humanos. Não se trata, portanto, de uma ação depredatória deliberada, mas sim, de busca de mecanismos (ainda que inadequados) para livrarem-se de resíduos indesejáveis e que não o podem fazer da forma que provavelmente desejariam, por absoluta falta de oportunidade. Afinal, nenhum ser humano quer conviver com lixo ou com dejetos nas suas imediações. Ao agirem dessa forma, acabam contribuindo para a poluição e para a degradação do ambiente em que sobrevivem. Também por isso tornam-se mais pobres e mais vulneráveis às doenças que lhes reduz a disposição ao trabalho, num verdadeiro ciclo vicioso. Pobreza causa depredação do ambiente, que reduz capacidade de trabalho, que causa mais pobreza. Ciclo que se torna difícil de ser rompido na medida em que aumentar o contingente de famílias que estejam obrigadas a viver em semelhantes situações.
A degradação ambiental torna-se, assim, ao mesmo tempo causa e efeito do estado de exclusão social. A deterioração da base de recursos naturais ou do espaço onde vivem os pobres, enfraquece a capacidade produtiva dos recursos naturais. Isto inclui não apenas o solo, rios e as florestas, mas também, e principalmente, o mais importante de todos os recursos, que é, sem qualquer dúvida, o ser humano. As pessoas podem chegar a um estágio de exclusão que as leva a admitir que sejam incapazes de construírem um outro destino para elas e seus familiares. Daí para se transformarem em presas fáceis de aventureiros de toda ordem, como políticos inescrupulosos e de religiosos charlatões é apenas uma questão de tempo. Assim, há incompatibilidade entre preservar recursos naturais e pobreza. Para preservar e recuperar ambientes degradados há que reduzir a pobreza. Ações de recuperação de áreas degradadas devem ser também de redução de pobreza. Foi feito assim no Projeto Piloto de recuperação da mata ciliar do Rio Itapecuru do governo do Maranhão, em 2006.

Publicação simultânea com o jornal O Imparcial, de São Luís (MA)

terça-feira, 11 de março de 2008

ENXERGANDO ALÉM DAS MARGENS

O necessário debate sobre o
desenvolvimento sustentável
no Semi-Árido Brasileiro

Por
Roberto Marinho Alves da Silva
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte cedido ao Ministério do Trabalho e Emprego

Nos últimos dias de 2007, o Brasil acompanhou as notícias da greve de fome do Bispo Dom Cappio contra a decisão do governo federal de dar início às obras de interligação do Rio São Francisco com outras bacias da Região Nordeste. A maior parte das reportagens concentrou-se na contagem dos dias de jejum, enfatizando a resistência e a debilidade do autor do protesto. Em alguns casos, as reportagens traziam informações sobre as características da polêmica obra de engenharia hidráulica para a região das secas. Afinal, era esse o debate: quem é contra ou a favor de solucionar o problema da seca, de levar água para o sofrido sertão nordestino. O debate terminava aí, numa única questão - a falta de água - e nas margens de um grande rio.
Terminada a greve, o assunto saiu quase que totalmente dos noticiários. Ao que nos parece, a atitude do bispo, apesar de contribuir para agregar forças políticas que estavam dispersas e de recolocar a questão do Rio São Francisco na mídia nacional, apareceu para a população como mais uma iniciativa pessoal, um ato heróico de doar a vida por uma causa. A forma como o drama foi conduzido não possibilitou dar a visibilidade necessária a um conjunto de forças sociais que, mesmo que ainda dispersa e ideologicamente diversas, estão construindo, experimentando e defendendo alternativas de desenvolvimento no Semi-Árido brasileiro.
Não houve chance de ir além, de explicitar que não se trata apenas da oposição a uma obra de engenharia ou de ser contra uma decisão governamental. A falta de debates mais amplos e a manipulação das informações prejudicou um posicionamento mais consciente e crítico da população sobre a questão de fundo naquele acontecimento: Qual o desenvolvimento que se quer para o Semi-Árido brasileiro?
Não se trata apenas de um conflito em torno de recursos hídricos. É a própria concepção de desenvolvimento do Semi-Árido que está em disputa na sociedade e tem seus reflexos no Estado. De um lado, existem forças sociais e políticas cuja compreensão da sustentabilidade do desenvolvimento continua subordinada à dimensão econômica. Nesse caso, as apostas para incentivar o desenvolvimento na região são, sobretudo, os grandes investimentos em infra-estrutura que possam viabilizar as atividades econômicas e que possam vir a produzir melhorias nos indicadores sociais. As prioridades são a revitalização da Bacia do Rio São Francisco, como base para a integração com outras bacias hidrográficas e para garantia da navegabilidade; a construção da ferrovia transnordestina; a agricultura irrigada, dinamizando o agronegócio; a mineração e a produção de energia (etanol, biodiesel etc.).
Por outro lado, existem organizações públicas estatais e da sociedade civil organizada que implementam um conjunto significativo de programas e ações orientados para a inclusão social, para a democratização do acesso à água, à terra, aos serviços públicos de qualidade, valorizando a cultura e identidade sertaneja e buscando a preservação dos recursos naturais do Bioma Caatinga.
Esse debate sobre as alternativas de desenvolvimento para o Semi-Árido vem sendo lentamente construído desde a primeira metade do século XX. Josué de Castro, Guimarães Duque, Celso Furtado, Manuel Correia de Andrade, Tânia Bacelar de Araújo, entre outros estudiosos e atores sociais e políticos que atuam naquela realidade, revelaram as principais distorções nas políticas públicas no Semi-Árido e sistematizaram propostas orientadas para a sustentabilidade. Mas o fato é que essas alternativas nunca foram suficientemente consideradas ou valorizadas. Quando isso aconteceu, como na primeira versão original da política da Sudene, ainda sob o comando de Celso Furtado, a ditadura militar interrompeu abruptamente o processo, restituindo a ordem às oligarquias sertanejas e o progresso às modernas empresas rurais.
Além dos interesses políticos e econômicos, prevalece uma espécie de miopia técnica no tratamento das questões daquela região. As políticas públicas foram e, pelo menos em parte, ainda estão sendo orientadas por essa perspectiva de que é necessário e possível “combater a seca e os seus efeitos”. Prevalece a negação daquele ambiente, a convicção de que é preciso modificá-lo profundamente para poder viabilizar o desenvolvimento. Geralmente, essas políticas são orientadas para as soluções de engenharia hidráulica a fim de viabilizar as atividades econômicas, tornando-as rentáveis e atraentes ao capital, colocando as necessidades da população local apenas como justificativa.
Pode-se verificar na história, que desde a segunda metade do Século XIX, a maior parte das obras de armazenamento de água tinha por intenção e prioridade viabilizar a atividade pecuária concentrada nas grandes fazendas de gado. No século XX, as grandes obras hídricas serviram, sobretudo, para a geração de energia e para viabilizar a agricultura irrigada. Somente nos últimos anos, é que estão sendo valorizadas as obras de distribuição de água armazenada e da interligação de alguns desses grandes reservatórios por meio de adutoras e de canais. A maior parte da população do Semi-Árido continua sofrendo com a escassez de água e sem o apoio necessário para desenvolver atividades socioeconômicas ambientalmente sustentáveis. Em 2007, os carros-pipas foram de novo acionados para socorrer da sede milhares de pessoas.
Mas há algo de novo acontecendo nessas últimas duas décadas: é a recuperação e apropriação do debate sobre a necessidade de uma mudança profunda na forma de intervenção pública no Semi-Árido brasileiro. Desta vez, a iniciativa é de um conjunto significativo de organizações da sociedade civil, junto com instituições de pesquisa e com outras forças políticas que atuam naquela região. Agora há maior clareza sobre a necessidade urgente de mudança de perspectiva nas políticas públicas no Semi-Árido. A isso chamamos de transição paradigmática entre o “combate à seca” e a “convivência com o Semi-Árido”. O debate é calcado em fortes alicerces de experimentações e vivências de alternativas (socioeconômicas, tecnológicas, políticas e culturais) que já dão certo porque são apropriadas àquela realidade.
Hoje, existem centenas de tecnologias apropriadas que foram e estão sendo desenvolvidas e implementadas sob essa perspectiva da convivência. São perceptíveis os avanços relacionados às tecnologias hídricas apropriadas ao Semi-Árido, fundamentadas no reconhecimento das múltiplas necessidades de abastecimento hídrico. As cisternas de placas para abastecimento de água das famílias, nas comunidades rurais, é apenas uma delas. Além das alternativas tecnológicas, a educação ambiental e a gestão comunitária são fundamentais para garantir o uso sustentável da água, possibilitando o abastecimento humano e a produção apropriada, sem degradar os mananciais hídricos da superfície e os aqüíferos subterrâneos.
Na produção, existem conhecimentos acumulados nos centros públicos de pesquisa e em organizações de fomento à agroecologia que orientam o desenvolvimento de tecnologias apropriadas àquela realidade, considerando suas potencialidades e fragilidades ambientais. Em grande parte, trata-se de um resgate e valorização daquilo que Guimarães Duque afirmava e ensinava aos agricultores sertanejos há mais de sessenta anos: os sistemas de policultura são preferíveis às práticas monocultoras, pois a combinação de cultivos é um dos segredos da convivência, incluindo o replantio de árvores resistentes à seca, o aproveitamento das forrageiras rasteiras, as lavouras de chuva, a irrigação apropriada e o extrativismo sustentável. A combinação dessas diferentes atividades em sistemas múltiplos que viabilizem a diversificação das fontes de obtenção de renda, evita a dependência em relação à regularidade das chuvas na região.
As mudanças climáticas e os riscos de desertificação impõem, hoje, algumas verdades afirmadas há muito tempo: o manejo sustentado da Caatinga exige mudanças na matriz energética e nas práticas agrícolas irrigadas e de sequeiro, reduzindo o desmatamento, principalmente nas regiões que sofrem processos de desertificação. Nessas áreas, é preciso controlar a retirada da vegetação e reflorestar a caatinga, evitando que o solo fique totalmente exposto às enxurradas no inverno e à ação dos ventos nos períodos mais secos. Nos cultivos agrícolas, deverão ser consideradas, entre outras, a consorciação e a rotação de culturas, considerando as práticas de manejo sustentado do solo e da água, incluindo os métodos de irrigação apropriados à realidade regional e às condições da agricultura familiar.
A pequena irrigação deve ser valorizada, em primeiro lugar, na perspectiva da segurança alimentar da população do Semi-Árido, reduzindo os custos com aquisição de alimentos de primeira necessidade. Outras possibilidades são as atividades baseadas no extrativismo vegetal, aproveitando a riqueza de plantas adaptadas ao ambiente seco que poderiam ser economicamente exploradas como produtoras de óleos (Catolé, Faveleira, Marmeleiro, Oiticica e Mamona); de látex (Pinhão e Maniçoba); de ceras (Carnaúba); de fibras (Bromeliáceas, Sisal e Agave); medicinais (Babosa e Juazeiro); frutíferas (Imbuzeiro e Cajueiro).
Em relação à pecuária também é possível perceber algumas mudanças paradigmáticas. No século XVII, o espaço territorial do Semi-Árido começou a ser violentamente ocupado pelos colonizadores com base na pecuária bovina extensiva nos grandes latifúndios. Hoje, as perdas irreparáveis no Bioma Caatinga ampliam e potencializam, nos períodos de estiagem, as crises econômicas da pecuária bovina, conduzindo a uma clara evidência de que a criação de pequenos animais deve ser a preferida na região. O volume de suporte forrageiro e de água, requerido para a manutenção dos pequenos animais, é significativamente menor em relação às exigências da bovinocultura.
Há também uma redescoberta de que o pasto natural da Caatinga é rico em nutrientes, dada a grande diversidade e o valor forrageiro de espécies resistentes às estiagens anuais. A escassez de pastagem nos períodos de seca pode ser enfrentada com as alternativas de fenação e silagem, com base na compreensão de que a segurança alimentar e hídrica dos rebanhos são de fundamental importância na região. Ademais, o adubo produzido pelos animais tem valor estratégico para melhorar a absorção de água da chuva no solo, aumentando a sua fertilidade para a produção agrícola.
Em síntese, a sustentabilidade do desenvolvimento do Semi-Árido requer outros valores e outros padrões de produção como as alternativas baseadas na agroecologia, no manejo sustentável da Caatinga, na criação de pequenos animais e nos projetos associativos e cooperativos de economia solidária. Além de sustentáveis, as iniciativas de produção e distribuição das riquezas devem ser includentes, com a democratização do acesso à terra, à água, ao crédito, aos conhecimentos e tecnologias apropriadas, à assistência técnica e organizativa. Sem essa perspectiva solidária também não haverá sustentabilidade.
É esse o debate que deve ser feito. Ele ajuda a enxergar para além das margens do grande rio.

sábado, 8 de março de 2008

Não Tenho Corpo. Sou Corpo

O linguajar revela nossas ideologias. Humanas ou anti-humanas. Ao dizer "tenho direito a usar meu corpo", a pessoa estabelece uma dicotomia eu-corpo. Meu corpo está externo a mim, posso usá-lo como uso uma mercadoria, seja esta um perfume ou uma nave espacial. Posso usá-lo como os senhores usavam os corpos dos escravos e escravas. Posso usá-lo como Hitler usava os corpos dos judeus. Posso usá-lo para me dar prazer.

A coisificação do corpo é uma das dimensões possíveis do relacionamento da pessoa consigo mesma. E dos relacionamentos da pessoa com as outras pessoas. Os usos acima bem exemplificam esta possibilidade. São possibilidades colocadas pelo capital, todas pautadas pelo valor de uso. É a "mercadorização" do corpo. Sim, porque o capital transforma tudo em mercadoria. Livre, a pessoa humana pode relacionar-se consigo mesma neste padrão dicotômico. Afasta-se de si para usar seu corpo como algo estranho a si.

Esta não é, porém, uma relação personalizante. Pelo contrário, é coisificadora da pessoa. Eu me transformo em uma coisa-mercadoria para mim mesmo. Perfeitamente conformado com o sistema de exploração capitalista da pessoa humana. E, pior, muitas vezes, fazendo o discurso da liberdade. Clamando: "Eu quero usar meu corpo para me afirmar como pessoa livre!"
A relação da pessoa com sigo mesma na base do corpo-coisa não é a única possível. Pode haver uma relação corpo-pessoa. Tomaz de Aquino definiu pessoa em sua Suma Teológica como "substância indivisível dotada de razão". Nada complicado, porém de conseqüências radicais: o corpo é material. Sua dimensão totalizante não admite mutilações. É capaz de se autodeterminar da melhor forma, frente a alternativas.
O Ocidente ainda não elaborou definição melhor. Esta definição de pessoa dá sustentação a todos os códigos de relacionamento social criados até aqui: pela vida humana, contra a tortura, contra mutilações, por justiça social, por um mundo ecologicamente correto, e por aí vai.

A sociedade brasileira vai posicionar-se acerca de pesquisas científicas com células-tronco. Resta saber se vencerá o conceito de corpo-mercadoria ou o de corpo-pessoa.

sexta-feira, 7 de março de 2008

BIOÉTICA NAS TERMELÉTRICAS

Reflexões do Catedrático do Óbvio1

* As usinas termelétricas de Santa Catarina estão provocando "chuva ácida" no Uruguai, segundo afirmou a advogada ambientalista Ana Echevenguá, que veio a Fortaleza, participar da audiência sobre uso de carvão mineral em termelétricas. Onde irá cair a chuva ácida provocada pelas duas termelétricas e pela siderúrgica, tocadas a carvão mineral, a serem instaladas no Pecém, Ceará?
Definição científica de chuva ácida: é a combinação de monóxido de carbono (CO) e dióxido de enxofre (SO2) com a água contida na atmosfera. Deste caldo, formam-se ácidos. Resultados: necrópcia das folhas e flores, prejuízo a prédios e monumentos, doenças respiratórias e da vista, dores de cabeça e mal-estar, cresce o índice de mortalidade de crianças e idosos. Fonte: Eugene P. Odum, no livro Ecologia, Rio, Ed. Guanabara, 1988, pag. 141 e 142.
* Após 15 anos de serviço, trabalhadores das minas de carvão aposentam-se. Seus corpos estão exauridos. Isso denota a gravidade da exposição ao pó do carvão mineral. Mesmo que o salário seja razoável, vale a pena? Note: não serão exploradas minas, no Ceará.
* A nuvem de poeira emitida pelas usinas termelétricas afeta a saúde da população. Em Santa Catarina, mais de 2.000 casos de pneumoconiose, só em 2006, dado do Ministério da Saúde. Eram pessoas expostas ao pó do carvão mineral. Este desenvolvimento gera emprego e mata o trabalhador. Tem ética?
* As termelétricas instaladas em Santa Catarina receberam incentivos na forma de dispensa de pagamento de impostos. As previstas para o Ceará também receberiam incentivos, se instaladas.
Resumo: o Estado deixa de recolher impostos e fica com a conta de curar os doentes...

* "Nós, cientistas, diante de um grande perigo para a humanidade e para as mais diversas formas de vida no planeta, lembramos que, no ritmo atual de emissão de gases estufa, transformaremos a Terra num ambiente radicalmente diferente, vários graus de temperatura mais quente, com oceanos mais elevados e mais ácidos, com maiores chances de eventos climáticos e meteorológicos severos, com alterações nos padrões de umidade, ventos e precipitação". (Alexandre Araújo Costa, físico, doutor em Ciências Atmosféricas, professor da Universidade Estadual do Ceará, na audiência pública na Praia do Pecém, dia 5.mar.2008) A queima de carvão mineral nas termelétricas do Ceará elevará o teor de CO2, gás de efeito estufa, na atmosfera terrestre.

1Expressão de Nélson Rodrigues

quinta-feira, 6 de março de 2008

A Elite Teme o Projeto Alternativo para o Rio São Francisco

Por
Ademir Costa


A dificuldade para “vender” e, mais ainda, implementar a visão alternativa de uso das águas do Rio São Francisco reside no fato de a proposta prever uma mínima reforma agrária. A elite tem menos medo do diabo do que da reforma agrária. E vem “rolando o lero”, escamoteando sua necessidade, iludindo quanto a sua desnecessidade e concentrando mais a propriedade da terra. Aqui um dos maiores, senão o maior impedimento às transformações sociais no Brasil. Ou não, caetanamente.

Qual Roberto Carlos, canto: “eu não consigo entender sua (deles) lógica”, já que está “tudo certo, como dois e dois são cinco”. A profecia de João Batista Figueirado de que “o morro pode descer” já se concretizou e ainda não nos demos conta. Guerra civil instalada, e “nós aqui na praça dando milho aos pombos”.

Servidores públicos dos vários escalões do governo, que deveriam propor projetos de real benefício para a sociedade, ficam a repetir os processos do passado, pois “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Apesar de o mundo já ter dado volta e meia e a globalização “financeira” (porque a da mão-de-obra e a do “bem-bom” é proibida) ameaçar nos engolir a todos. O protagonista do filme franco-holandês “Queimadas”, pergunta, no final: “Até quando?” Resta-nos responder. Ou nos enganar ou nos omitir, via passa-tempos diversionistas dos mais diferentes matizes.


Para ler mais sobre a Transposição

Visão do governo:
http://www.mi.gov.br/

Alternativas defendidas pelos movimentos sociais:
www.parnaiba.ana.gov.br/atlas_nordeste
http://www.saofranciscovivo.com.br/
http://www.umavidapelavida.com.br/.

MENSAGEM DO FÍSICO ALEXANDRE ARAÚJO COSTA PARA A AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE CARVÃO MINERAL COMO MATRIZ ENERGÉTICA

Usinas termelétricas – a carvão principalmente – estão na contramão do desenvolvimento sustentável... Estudemos alternativas. Viabilizêmo-las! E façamos nossa parte no combate ao aquecimento global. O Ceará pode ser exemplo... de novo!

Prezados Senhores, Prezadas Senhoras,

Gostaria de agradecer o convite da Assembléia Legislativa do Ceará para expor meu posicionamento junto a esta Audiência Pública, nas pessoas de seu Presidente, Dep. Domingos Filho, do Presidente de sua Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semi-Árido, Dep. Cirilo Pimenta, do requerente, Dep. Augustinho Moreira e do Dep. Heitor Férrer, a quem repassei este texto. Impossibilitado por questões de ordem pessoal de me deslocar até São Gonçalo do Amarante, espero que minha reflexões possam chegar à Audiência por meio desta mensagem.

Escrevo na condição de cientista, de físico formado pela Universidade Federal do Ceará, com Mestrado em Física de Nuvens (também pela UFC), Doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado, nos EUA, e Pós-Doutorado em Atmosferas e Oceanos pela Universidade de Yale, segunda instituição de ensino superior a ser criada naquele País, em 1702 e uma das mais conceituadas Universidades do Planeta. Escrevo na condição de Gerente do Departamento de Meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, instituição com 35 anos de serviço prestado à sociedade cearense nos problemas de Clima, Àgua e Ambiente, e de Professor do Mestrado em Ciências Físicas Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará. Escrevo na condição de servidor público, ciente do dever de lealdade para com a população de meu Estado. Falo na condição de filho de filhos do Sertão Central, com raízes profundamente ligadas ao seio desta terra.

Podemos afirmar com toda certeza que vivemos, como civilização, uma encruzilhada de grandes proporções. Inebriados com as maravilhas, os avanços e o conforto proporcionados pela sociedade industrial, não percebemos a rápida transformação que operamos no fio mais delicado da teia complexa do clima global: a atmosfera de nosso planeta. Saúdo com entusiasmo as possibilidades abertas pelos vários avanços tecnológicos, que nos possibilitaram uma maior expectativa de vida e que nos permitiram não só viver mais, como nos comunicar, nos transportar e nos conhecer melhor. Mas não posso deixar de lembrar que tudo possui um custo e que nossa conta para com a natureza entrou no vermelho, e que esta é a cor do alerta que a comunidade científica mundial tem lançado. Em pouco mais de um século, a queima de combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – fez com que a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera da Terra aumentasse em quase 40%. Juntamente com outras ações humanas, como a agropecuária e as queimadas, estamos a elevar a proporção desse e de outros gases de efeito estufa até níveis cada vez mais perigosos. A sociedade civil, os governantes e demais tomadores de decisão, cada um de nós, em cada atitude pequenina e em cada ação de maior escala, devemos agir conscientes de que podemos estar inviabilizando as condições de vida das gerações futuras, de nossos filhos e netos, dos seus filhos e netos.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, de posse dos melhores conjuntos de dados sobre o assunto e no uso das melhores ferramentas observacionais e de modelagem, e após quase duas décadas de debate, rompeu o silêncio. Nós, cientistas, diante de um grande perigo para a humanidade e para as mais diversas formas de vida no planeta, lembramos que, no ritmo atual de emissão de gases estufa, transformaremos a Terra num ambiente radicalmente diferente, vários graus de temperatura mais quente, com oceanos mais elevados e mais ácidos, com maiores chances de eventos climáticos e meteorológicos severos, com alterações nos padrões de umidade, ventos e precipitação. Há indícios de que este planeta já foi, antes da presença de organismos fotossintetizantes, muito mais quente do que é hoje. Vênus, em nosso sistema solar, com uma atmosfera quase toda composta de dióxido de carbono, produz temperaturas de quase 500 graus em sua superfície! Mas, se quiserem um exemplo mais prosaico do que seja um efeito estufa, experimentemos o desconforto de um veículo fechado, abandonado ao sol. Há, porém, uma diferença: não é possível "abrir os vidros do Planeta"...

Parece tão óbvio que nós dependemos da natureza; que nos equilibramos na teia delicada que mencionei antes, com nossas lavouras adaptadas a determinados padrões climáticos, com nossos reservatórios de água dependentes de vazões mais ou menos regulares dos cursos d'água; que nossa pesca se sustenta em um número relativamente reduzido de espécies e que o ecossistema costeiro e marinho pode colapsar ou, ao menos, ser severamente atingido com a morte de corais pela presença de mais dióxido de carbono nos mares; que biomas singulares e vulneráveis como nossa Amazônia e nossa caatinga podem sofrer danos irreversíveis, com perda de vulnerabilidade e prejuízos incomensuráveis em serviços ambientais. Parece óbvio, mas não agimos como se assim o fosse. Ultrapassamos o ritmo dos ciclos naturais: da água, do nitrogênio, do carbono!

Sim, carbono! Estamos atirando na atmosfera bilhões de toneladas de carbono por ano, levando décadas para desfazer um processo para o qual a natureza requer milhões de anos. O nome "combustível fóssil" não é casual: petróleo, carvão e gás são tudo o que restou da decomposição radical de organismos vivos ao longo de eras. Sua combustão, para mover nossas indústrias, nossos carros e aviões e nossa eletricidade está centenas de milhares de vezes mais acelerada que o ciclo natural do carbono!

Mais do que nunca, é preciso agir, a cada momento, com coerência, para mostrar que é possível romper toda essa lógica, manter a civilização humana e suas conquistas, oferecer um futuro sustentável, justo e humano para os que ora são pequenos e para os que ainda estão para chegar. Mais do que nunca precisamos demonstrar nossa capacidade de superar as tecnologias que hoje são base para grande parte do setor de transportes e de energia em escala mundial.

Especificamente no que tange à geração de energia, a humanidade precisa aposentar as termelétricas a combustível fóssil. Particularmente aquelas movidas a carvão produzem uma quantidade gigantesca de dióxido de carbono, num processo pouco eficiente de queima, para gerar energia. Devem, em breve, pertencer ao passado! EUA, Reino Unido e China, dentre outros países, possuem uma matriz energética profundamente dependente dessa forma arcaica e poluidora. São pressionados internacionalmente para apresentar avanços em outra direção. De nossa parte, com forte presença de recursos renováveis, temos uma base de hidrelétricas na produção de nossa energia elétrica. Ao lado disso, somos celeiros de outros recursos alternativos, renováveis e não poluentes, como a energia do sol, dos ventos e das marés. O Ceará, pioneiro no País, vislumbrou a eólica como via – muito antes de ser possível seu aproveitamento econômico de maneira competitiva e em grande escala como agora. Foi exemplo. Deveria continuar a ser exemplo.

Relembro: o dióxido de carbono é o principal gás de efeito estufa em nossa atmosfera. Suas emissões têm de ser reduzidas drasticamente em poucas décadas, reduzindo profundamente a queima de combustíveis fósseis para fins de transporte e energia, combatendo sem trégua as queimadas e modificando radicalmente nossas práticas na agropecuária.

Usinas termelétricas – a carvão principalmente – estão na contramão do desenvolvimento sustentável, da possibilidade de avançarmos minimizando as agressões ao ambiente e de deixarmos um legado positivo às gerações futuras. Mas é "só uma usina", poderiam me contradizer... E o que podem dizer outros? Que a deles é "só mais uma"... E com "mais uma" aqui, "mais uma" acolá, nada muda. Estudemos alternativas. Viabilizêmo-las! E façamos nossa parte no combate ao aquecimento global. O Ceará pode ser exemplo... de novo!



Obrigado!

Alexandre Araújo Costa
Físico, Doutor em Ciências Atmosféricas

Audiência ocorrida na Praia do Pecém, Ceará, em dia 05/03/2008

Dia Internacional da Mulher

Por
José Lemos
Engenheiro Agrônomo.
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará
lemos@ufc.br.


Hoje, 8 de março, comemora-se o “Dia Internacional da Mulher”. A data tem uma simbologia importante, na medida em que nos faz refletir acerca do papel da mulher numa sociedade machista, complexa e desigual como a brasileira e, sobretudo, na Amazônia e no Nordeste, as duas regiões mais carentes do Brasil. Estive relendo o livro do Gilberto Freire “Casa Grande e Senzala” e nele podemos observar a importância da mulher em toda a trajetória econômica, social e política do Brasil, desde o seu descobrimento. Ali está relatado como viviam as negras ‘importadas’ da África que eram escravizadas e, nesta condição, também estavam obrigadas a servir aos devaneios libidinosos dos seus senhores.

Igualmente está descrita a saga das índias, que também eram escravizadas, tratadas como objetos sexuais e, por isso, eram contaminadas pelas doenças venéreas transmitidas pelos colonizadores. O contato com esses colonizadores contribuiu para dizimar boa parte da população indígena brasileira, ou pelas doenças contraídas a partir do contato físico, ou pela disputa desigual pelas riquezas naturais da colônia pertencentes aos nativos, ou mesmo pelo próprio processo de escravização que lhes foi imposto pelos alienígenas.

As negras e índias, porém, mesmo sob condições desumanas, exerceram papel importante na formação da população brasileira, na sua miscigenação e na sua aculturação. Participação importante também tiveram na nossa culinária e sobre os nossos hábitos, inclusive na nossa forma de falar o português. Assim, pode-se dizer que aquelas mulheres anônimas, subjugadas, humilhadas, maltratadas e desrespeitadas tiveram uma grande contribuição na formação do aglomerado que hoje nós constituímos. Não poderiam, portanto, ser esquecidas numa data que se tenta homenagear as mulheres.

Em vez de reverenciar mulheres que marcaram a sua passagem por este planeta de forma mais destacada, nem por isso mais importante, preferi centrar reflexões sobre aquelas pobres e anônimas do Nordeste e da Amazônia que, em boa parte, ainda continuam levando uma vida que não é muito diferente daquela retratada na obra de Gilberto Freire. Sobretudo as mulheres agricultoras dessas regiões e, de forma especial, as quebradeiras de coco do Maranhão, Piauí e Tocantins. Mulheres que executam jornadas múltiplas na sua faina diária. Quebram coco babaçu desde a mais tenra idade. São agricultoras que laboram junto aos companheiros em todas as atividades de cultivo das lavouras. Cuidam da casa, dos filhos e do companheiro. Ainda encontram tempo para carregar vasilhames d’água na cabeça percorrendo longas distâncias. Portanto, mulheres de muita força e garra que, quando não as têm, buscam-nas de dentro do corpo, quase sempre muito fragilizado pela própria carga de tarefas que executam. São essas mulheres que anonimamente constróem economias singelas, solidárias, em muitos casos, sem circulação de moeda, e não desistem de mostrar que ainda há vida em grotões Amazônicos e Nordestinos.


São as Marias de vários Santos: Marias de Jesus; Marias da Glória, Marias de Fátima, Marias da Graça, ou simplesmente Marias. São mulheres com nomes de flores como Rosas, Margaridas, Violetas... Muitas identificadas por apelidos: Mundicas, Concitas, Dadás, Lilis, Chicas, Bastianas, Dijés... Mulheres comuns de olhos tristes, sem brilho, que miram num vazio e não enxergam um futuro melhor do que o seu presente. Mulheres que perderam a capacidade de sonhar, se é que sonharam algum dia. Mulheres que precisam ser lembradas em todos os dias de todos os anos. Lembradas para poderem ser atendidas nas suas necessidades elementares, como terem espaços para exercerem a sua capacidade de criação, poderem auferir renda monetária decente, morar com dignidade, ter acesso a educação, adquirir condição de planejar o número de filhos que podem criar...


Não queria destacar qualquer das mulheres que conheci nas muitas viagens que fiz como pesquisador por este Brasil afora, e em muitos estados do Nordeste e da Amazônia, para não cometer injustiças. Gostaria apenas de lembrar uma frase de uma dessas mulheres anônimas. Estava participando de uma mesa de debates da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em São Luis, em julho de 2004. Daquela mesa participava uma agricultora que estava indignada com a tutela que nós técnicos e, sobretudo, quem toma decisão de políticas públicas, tentamos exercer sobre as pessoas pobres. Partimos do fundamento equivocado que as pessoas carentes não sabem o que querem, e que das nossas cabeças iluminadas é que devem brotar as idéias salvadoras. Pois bem, aquela mulher começou a sua intervenção naquela mesa com esta frase: “Nós é pobre, mas nós não é besta. Nós sabe o que nós quer.” Assim mesmo, curta e objetivamente. Sábias palavras que fizeram todos que estávamos naquela mesa e no plenário ficarmos calados e refletir. Oxalá todas as mulheres pudessem exercitar o seu direito de desabafar e de buscar melhores dias neste oito de março e em todos os dias de todos os anos de suas vidas!

Publicação simultânea com O Imparcial, de S. Luís do Maranhão

quarta-feira, 5 de março de 2008

A FRENTE DA ENERGIA SUJA

Natureza morta, chuva ácida, doença nos pulmões: danos ambientais provocados pelo carvão.

Por
Ana Echevenguá
Advogada ambientalista
Coordenadora do Programa Eco&Ação
E-mail: ana@ecoeacao.com.br
www.ecoeacao.com.br
(48) 84014526 Florianópolis, SC.

A questão energética brasileira sempre esteve nas mãos da politicagem. A prova maior disso é a escolha de Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energias. No governo FHC, experimentamos um apagão em decorrência da má administração nessa área.
Agora, o governo Lula, com o famigerado PAC - Programa de Aceleração do Crescimento - está acelerando a construção de termelétricas, e apostando nos combustíveis fósseis: gás e carvão mineral. Poluentes!

Segundo o engenheiro Thomas Fendel, “Do nosso farto seio brasileiro, ensolarado e aguado, verte: álcool, óleo vegetal, biogás, carvão vegetal, resíduos vegetais, como se praga fossem. Ninguém no mundo tem a nossa abundante capacidade bioenergética. E nós, feito macacos amestrados de circo, imitamos os porcos suicidas velhos modelos energéticos estrangeiros, enquanto estes importam a preços vis os nossos produtos altamente energéticos como álcool, açúcar, alumínio, soja, aço, seqüestro de CO2, etc; que de tão baratos ainda são sobretaxados nos seus destinos. Ainda hoje, nossa siderurgia importa desnecessário caro e sujo carvão mineral...”

Vamos falar especificamente do carvão...

Para que importá-lo se a região sul do Brasil possui fartas jazidas de carvão? Assim trabalha a Frente Parlamentar Mista de Defesa do Carvão Mineral. E já exigiu do ministro de Minas e Energia a implantação imediata de um programa de geração energética a carvão mineral nacional. A indústria carbonífera sente-se em desvantagem nos leilões de energia elétrica porque estes viabilizam térmicas com carvão importado.

Esta Frente não brinca em serviço. Conseguiu inserir, no PAC, 03 termelétricas para o Rio Grande do Sul. Tenta trocar uma hidrelétrica prevista para Santa Catarina por uma termelétrica. Também inseriu uma emenda, nas medidas provisórias do Programa, que prevê isenção fiscal para o setor.

Quem está na Frente?

A Região Sul do Brasil detém, hoje, 100% da reserva nacional de carvão mineral. Essa força econômica (e regionalizada) elegeu a Frente Parlamentar (que conta com 119 deputados federais e 10 senadores) para defender o uso e investimento no carvão mineral.

O carvão mineral corresponde a 25% da energia consumida no mundo. Sua queima é responsável por 40% das emissões de gás carbônico. É público e notório que ele é poluente; mas a Frente não fala disso; “vende” seu produto com o discurso social da geração de emprego e renda. Em 2006, o setor faturou R$ 454 milhões e teria empregado diretamente 4.946 pessoas na Região Sul (considerando a média salarial de R$ 500,00, o setor gastou com empregos menos de 10% do faturamento). Este argumento, aliado à pseudocrise energética que experimenta o Brasil, é imbatível.


Os ‘Senhores do Carvão’ de Santa Catarina estão eufóricos: afirmam que o atual preço do petróleo (em torno de US$ 100), torna lucrativa até a gaseificação do carvão e outros processos que exigem mais custo e que utilizam tecnologias mais avançadas.

Divergências no Governo sobre a energia

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alega que as termelétricas "estão na contramão do que está sendo feito no mundo". Mas sabemos que a sua opinião pouco importa ao Governo! O Ministério de Ciências e Tecnologia é favorável ao aumento da exploração carbonífera porque isso nos libertará dos grilhões do gás da Bolívia. Como se essa dependência tivesse caído dos céus! “Quando se discutia o uso do gás da Bolívia no governo FHC, a AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras, apontou sete opções melhores e menos poluentes. O governo impatriótico decidiu pela oitava e deu no que deu!” – palavras do físico Bautista Vidal.

Márcio Zimmermann, da Secretaria Executiva do MME, trata o carvão como matriz energética suja: "Podemos suprir a demanda sem sujar a matriz energética; 84% da nossa energia vem da hidreletricidade, e esse continuará o carro-chefe." Para ele, “a produção da energia hidrelétrica custa R$ 116 MW/h e a do carvão R$ 133 MW/h. Isso acontece porque o carvão nacional é de qualidade inferior. Tem baixo poder calorífico e alto teor de cinzas. Por isso, sua energia custa mais caro e polui mais”.

Quem vai sofrer com o incentivo ao carvão nacional?

Os habitantes das zonas mineradas e o meio ambiente do entorno destas que já convivem com a destruição de rios e solo provocada pelo carvão: 6,2 mil hectares de área degradada e 86% dos recursos hídricos comprometidos. Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2006, há no sul de SC mais de 2 mil casos de pneumoconiose, doença causada pela exposição ao pó do carvão.

O presidente da ABCM (Associação Brasileira de Carvão Mineral), Fernando Zancan, diz que os cuidados ambientais e com os mineradores melhoraram muito de lá para cá. Que cuidados ambientais? Quem conhece a região sabe que essa melhoria não passa de maquiagem para esconder o estrago! Zancan já admitiu que a atividade mineraria “não possui um passado "bonito", mas desenvolveu técnicas que permitem reduzir os danos ambientais, como o tratamento de efluentes.” Desenvolveu? É mesmo?? E vai aplicá-las aonde e quando, se o sul de Santa Catarina continua com montanhas de pirita a céu aberto, com rios vermelhos e mortos...?

‘Passado bonito’ é expressão simplória para definir a destruição que assola os municípios do sul catarinense, inclusive com a morte de várias pessoas com os males contraídos com o carvão. Chegou a hora de os demais eleitores – aqueles que não auferem lucro com a indústria criminosa do carvão - elegerem uma Frente Parlamentar de Energia Limpa.

O Carvão no Pac. O Pac das Termelétricas

A mídia fala diariamente na falta de energia em curto prazo no Brasil. Mas o governo vai dar um jeito nisso!


Por

Ana Echevenguá

Advogada ambientalista

Coordenadora do programa Eco&Ação

E-mail: ana@ecoeacao.com.br


A Ministra Dilma Roussef já alardeou que o governo tem uma política para as térmicas, ao contrário do que sempre sucedeu no Brasil. Segundo ela, as usinas térmicas vieram para ficar: "O sistema elétrico brasileiro é hidrotérmico: 80% hídrico e 20% térmico". A política que a Ministra menciona está retratada no PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Neste, as termelétricas respondem por mais de 23% dos 12.386 megawatts previstos para geração de energia. E (pasmem!), ainda em 2008, 13 usinas termelétricas começarão suas atividades (em torno de 1.275 MW).

Sabem o que vai esquentar os motores das térmicas? A energia suja. Isto já está no papel! 57% das usinas termelétricas serão movidas a combustível fóssil (o óleo diesel responde por 32,8%; o carvão mineral, por 24,2% e o gás natural, por 27,3% nesses projetos). Dados impressionantes quando o Planeta, preocupado com o aquecimento global, está aderindo ao uso das energias renováveis.

Como isso é possível? Ora, com trabalho árduo! De quem? Um desses "trabalhadores" é a indústria do carvão mineral. Em Brasília, estão representados pelos 119 deputados federais e 10 senadores que criaram a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Carvão Mineral. O que esta Frente defende? Que o país volte a investir no carvão. E já conseguiu incluir, no PAC, 3 termelétricas no Rio Grande do Sul. Quer trocar uma das hidrelétricas previstas no PAC para Santa Catarina pela construção de uma termelétrica. E, numa das medidas provisórias vinculadas ao PAC, inseriu uma emenda com isenção fiscal para o setor.

Aonde o carvão vai queimar? No Rio Grande do Sul já existe a usina termelétrica a carvão de Candiota, da CGTEE. E 'está no forno' a Usina Candiota III, em aliança com a China. Além disso, a Seival I (Tractebel) e Seival II (MPX). Na cidade de Charqueadas, a Usina Jacuí está prestes a ser concluída. Tais investimentos ultrapassam 2 bilhões de dólares.

No sul de Santa Catarina, funciona a termelétrica a carvão Jorge Lacerda; e o governo estadual já concedeu a primeira licença para a usina termelétrica USITESC. Carvão! Ainda dentro do PAC, está prevista para Santa Catarina a termelétrica de Xanxerê (em fase de licitação) e a de Itapiranga (na fase da montagem da licitação). Provavelmente, mais carvão!

Para o Ceará estão projetados 3 grandes empreendimentos movidos a carvão mineral: duas usinas termelétricas (uma de Eike Batista, outra da Vale) e uma siderúgica (também da Vale).

Um pouco de história

Devido à força do setor carbonífero, em situações de crises energéticas mundiais, o Governo Federal sempre manipulou o mercado. Regulamentou o consumo em épocas de grande procura, criou mercados compulsórios em períodos de baixa demanda...

Vamos voltar um pouquinho na linha do tempo. Lembram do primeiro "boom" do petróleo? Naqueles dias, os países ligados à OPEP elevaram em 400% os preços do barril de petróleo, em 1973, passando de US$ 2,20 para US$ 8,65. Este choque gerou a necessidade de usar energias nacionais alternativas. E o Brasil criou diversos subsídios para o uso industrial do carvão energético, em substituição ao óleo combustível.

Mas, a partir de 1990, os ventos neoliberais ceifaram parte da intervenção estatal nos sistemas de produção, preços e comercialização do carvão, pondo fim à compulsoriedade de compra do carvão nacional pela siderúrgica e liberando as importações. Uma simples Portaria (n.º 801 de 17 de setembro de 1990) provocou funestas repercussões negativas na economia do setor.

Socorro ao carvão

Chegou a hora, portanto, de o Governo dar uma mãozinha ao setor carbonífero nacional. Como? A melhor ajuda é colocar o carvão nacional como alternativa energética para a área térmica, por exemplo. Isso vai injetar dinheiro na indústria carbonífera que não consegue competir com o carvão metalúrgico importado.

Hoje, as siderúrgicas brasileiras importam carvão mineral da China. Esta é o segunda maior exportadora de carvão e, logo, logo, vai desbancar a líder mundial, a Austrália. Por quê? Por causa da excelente qualidade e aos baixos custos do produto chinês, à recente expansão da sua infra-estrutura de transportes (estrada de ferro e porto) e aos incentivos que o governo chinês oferece às estatais exportadoras.

O que resta ao nosso carvão nacional? Ser queimado compulsoriamente nas usinas termelétricas, ora! Mediante regras estatais impositivas para facilitar isso! Como nos velhos tempos!

E os atingidos pelo carvão?


Já que as maiores reservas de carvão mineral encontram-se no sul do Brasil, do Rio Grande do Sul ao Paraná, seus habitantes e o meio ambiente vão continuar sofrendo com a degradação ambiental provocada por esta atividade altamente poluidora e letal. A exploração do carvão poluiu rios e solo. Além disso, adoeceu e matou pessoas. Um relatório de 2006 do Ministério da Saúde informa que há, nesta região, mais de 2 mil casos de doenças causadas pela exposição ao pó do carvão, dentre elas, a pneumoconiose.

Quando os atingidos pelo carvão entenderão que eles também precisam criar uma Frente Parlamentar Mista para Banimento do Carvão Mineral???

domingo, 2 de março de 2008

MANIFESTO SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2008

Publicamos aqui duas considerações sobre manifestações das Católicas pelo Direito de Decidir em que (1) questionamos se elas pertencem realmente à Igreja Católica e (2) contestamos o direito de decidir sobre a vida de alguém, no caso, o feto. O colega Misael Torres nos manda o manifesto abaixo, atribuído à referida entidade. Estou publicando-o, com meus comentários, como forma de fortalecer o debate. Os comentários do editor estão em negrito.



Ademir Costa


Considerações de Católicas pelo Direito de Decidir sobre a Defesa da Vida


A Campanha da Fraternidade de 2008 - cujo tema é "Fraternidade e Defesa da Vida" - vai, mais uma vez, mobilizar a comunidade católica brasileira para uma reflexão a respeito de valores cristãos e nos fará pensar sobre o significado da vida. Pela relevância do tema, é necessário que todas as vozes católicas sejam ouvidas e nós, como Católicas pelo Direito de Decidir, sentimo-nos interpeladas a dar nossa contribuição.

Reiteramos com a Igreja que todas e todos têm direito a uma vida plena e digna, conforme o Evangelho de Jo 10, 10: "Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância". Com ela, lembramos a necessidade urgente de se reverter o processo de degradação da natureza, que, certamente, coloca em risco a vida das futuras gerações. Com ela reafirmamos que defender a vida é lutar contra a pobreza, a exclusão, a situação de extrema injustiça social do nosso país. Com a Igreja, entendemos que defender a vida é criar condições para que se realize o direito a uma vida sem violência, sem desigualdade de nenhuma ordem, sem opressão, sem exploração, sem medo, sem preconceitos.

Direito a uma vida sem violência. Significa que a pessoa não deve ser vítima de violência já no ventre materno.

No entanto, como católicas, tendo como referência a tradição cristã e os valores evangélicos, há questões que nos parecem fundamentais quando a vida das pessoas está em jogo. Por isso, queremos interrogar a Igreja sobre as contradições entre seu discurso e sua prática em relação aquilo que ela apresenta como defesa da vida.

Os comentários a seguir tomarão por base a razão humana e a mais pura tradição cristã.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e ignorar milhões de pessoas que morrem, no mundo todo, vítimas de doenças evitáveis, como a aids? Seguir condenando o uso de preservativos que salvariam tantas vidas, numa brutal indiferença à tamanha dor?

São várias as instituições das Igrejas cristãs dedicadas a cuidar dos doentes, lutar contra doenças evitáveis, aliviar aidético(a)s, sem discriminação. A Igreja pode orientar quanto a uso de preservativos a seus fiéis, o que significa seguir o comportamento ético condizente com referida fé. Quem não tem fé não é obrigado a seguir as Igrejas, mas sua própria consciência ética.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar as pessoas a sofrerem indefinidamente num leito de morte, condenando o acesso livre e consentido a uma morte digna, pelo recurso à eutanásia?

Aqui entram o princípio do respeito à vida e o princípio da precaução. A tradição cristã, alegada no primeiro parágrafo acima, sempre defendeu a vida. O princípio da precaução recomenda que não se corte a vida de quem pode retomar a consciência a qualquer momento, como já ocorreu com pessoas mantidas em coma por anos. Além disso, é prudente supor que a pessoa esteja com um problema ainda não dominado, em suas causas e conseqüências, pela ciência atual.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar as pesquisas com células-tronco embrionárias, que podem trazer alento e perspectiva de vida digna para milhares de pessoas com deficiências?

Aqui a Igreja vale-se de dois princípios: o geral de não matar a célula-pessoa (o mesmo contra o aborto) e o da precaução, agora sob outro enfoque: ainda se sabe pouco sobre os efeitos sinérgicos dessa manipulação genética sobre o futuro da raça humana. Neste particular, é preciso desconfiar da autoconfiança e do ufanismo da ciência.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e dizer que se condena o racismo quando se impede a manifestação ritual que incorpora elementos religiosos indígenas e afro-latinos nas expressões litúrgicas católicas?

Sou contra qualquer racismo. A orientação quanto a rituais católicos não envolve problema ético do quilate do respeito à vida e essa argumentação é descabida, aqui. Os rituais mudam, conforme a consciência coletiva dos católicos, em cada momento histórico. Há um mandamento "não matarás", mas não há um mandamento "não entra negro, não entra índio". O cristianismo é religião universalista, aberta a todos.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar a intolerância que mata, quando se afirma a superioridade cristã em relação às outras crenças?

Toda intolerância que mata é condenável. Porque desrespeita a fundamental dignidade da vida humana. A afirmação de suposta superioridade é um erro que não justifica este outro: tirar da criança a chance de viver.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e eliminar a beleza da diversidade humana, com atitudes e discursos intolerantes em relação a expressões livres da sexualidade humana, condenando o relacionamento amoroso entre pessoas do mesmo sexo?

Todas as confissões cristãs estão na obrigação de rever sua teologia sobre a afetividade, tanto heterossesual como homossexual, à luz dos avanços da ciência de hoje. Questões sobre a sexualidade são sérias, pois envolvem uma expressão central da vida da pessoa, porém mais séria e mais radical é a manutenção da própria vida da pessoa, a partir da sua concepção. O(a) homossexual eliminado(a) já no seio da mãe jamais viverá sua sexualidade.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e fazer valer mais as normas eclesiásticas do que o amor, impedindo a reconstrução da vida em um segundo matrimônio?

A principal norma de Jesus Cristo é o amor e quem ama não tira a vida de alguém, seja alguém com um minuto de vida, seja alguém com um século de existência. Ou só as pessoas jovens, de meia idade e saudáveis têm direito à vida? É preciso estar viva para a pessoa viver o primeiro, segundo ou terceiro matrimônio. E, assim, participar e lutar por espaço em sua Igreja...

- Pode-se afirmar a defesa da vida e denunciar as desigualdades, quando a mesma Igreja mantém uma situação de violência em relação às mulheres, submetendo-as a normas decididas por outros, impedindo-as de realizarem sua vocação sacerdotal, relegando-as a uma situação de inferioridade em relação aos homens da hierarquia católica?

As Igrejas cristãs e toda a sociedade têm uma grande dívida para com as mulheres. É inegável que tudo é maxista nas expressões cristãs, se bem que maxistas são também os rituais de outras religiões. Porém, se abortadas, pelas razões defendidas pelas defensoras do aborto, as mulheres jamais chegarão ao sacerdócio. Primeiro é necessário deixá-las nascerem.

- Pode-se afirmar a defesa da vida, quando se tenta impedir a implementação de políticas públicas de saúde - como é o caso do planejamento familiar e da distribuição criteriosa da contracepção de emergência - que visam prevenir situações que podem colocar em risco a vida das pessoas?

As Igrejas cristãs ainda vão elaborar e difundir largamente uma teologia da afetividade que contemple, a um só tempo, a relação sexual e a opção de evitar a concepção. Uma relação sexual nestes termos nem sempre é sinal de egoismo. As Igrejas cristãs se opõem, com coerência, aos métodos anticoncepcionais abortivos e abertos à exploração sexual recíproca. Tais práticas não revelam amor, mas egoista busca do prazer, à custa do(a) parceiro(a) e, como quer o manifesto, à custa da vida da criança gerada.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e desrespeitar o princípio fundamental à realização de uma vida digna e feliz, que é o direito de decisão autônoma sobre o próprio corpo? Condenar as mulheres a levar adiante uma gravidez resultante de estupro, a não interromper uma gravidez que coloca a vida delas em risco, ou cujo feto não terá nenhuma condição de sobreviver?

É indefensável eticamente "o direito de decisão autônoma sobre o próprio corpo". Todas as nossas decisões têm um caráter pessoal e social. Este "direito", se adotado, justifica o suicídio, o consumo de drogas ilícitas e tantos outros comportamentos prejudiciais à preservação da vida da humanidade. O aborto retira da criança o direito de usar o corpo dela. Ou a criança no ventre da mãe não tem este direito? Quem nega este direito à criança, não pode exigir tal direito para si.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e cercear o livre exercício do pensamento, impedindo a expressão da diversidade existente no interior da Igreja?

Sou completamente a favor da liberdade de pensamento e da democracia nas Igrejas Cristãs, nas questões pastorais, culturais, na inserção na sociedade atual, na luta por justiça. Havemos de convir, entratanto, que as verdades de fé como o "não matarás" são verdades vindas de Deus para os homens. Ou você as aceita ou não. Não dá para dizer que é cristão e não aceitar o "eu vim para que todos tenham vida" (Jo 10,10).
Vale repetir: é preciso estar vivo para exercer o livre exercício do pensamento. Se a pessoa for eliminada no ventre da mãe, de que forma ela irá exercitar livremente seu pensamento?

Neste manifesto, Católicas pelo Direito de Decidir une-se a todos aqueles que, dentro da Igreja e na sociedade brasileira em geral, desejam contribuir para que a defesa da vida seja compreendida em sua complexidade e se realize o direito de tod@s de viver com dignidade.

Viver primeiro. Uma vez viva, a pessoa poderá viver com dignidade. Quem defende o aborto desconhece, primeiro que tudo, que a vida humana tenha dignidade. Há um imenso campo de luta no mundo de hoje, para que as pessoas vivam com dignidade. O primeira luta é a luta pela vida. Uma vez viva, a pessoa poderá exercer o direito à vida em dignidade. A sociedade se organiza para lutar por isso. Toda a sociedade tem dívida para com os pobres, os miseráveis, todos os atingidos em sua dignidade. Reconhecer a dignidade humana é, fundamentalmente, defender a vida em todos os seus momentos. Da concepção à morte natural. Isso é coerência com a tradição cristã. Pois, como dizia Sto. Irineu, nos primeiros séculos do cristianismo, "a glória de Deus é o homem vivo".