domingo, 2 de março de 2008

MANIFESTO SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2008

Publicamos aqui duas considerações sobre manifestações das Católicas pelo Direito de Decidir em que (1) questionamos se elas pertencem realmente à Igreja Católica e (2) contestamos o direito de decidir sobre a vida de alguém, no caso, o feto. O colega Misael Torres nos manda o manifesto abaixo, atribuído à referida entidade. Estou publicando-o, com meus comentários, como forma de fortalecer o debate. Os comentários do editor estão em negrito.



Ademir Costa


Considerações de Católicas pelo Direito de Decidir sobre a Defesa da Vida


A Campanha da Fraternidade de 2008 - cujo tema é "Fraternidade e Defesa da Vida" - vai, mais uma vez, mobilizar a comunidade católica brasileira para uma reflexão a respeito de valores cristãos e nos fará pensar sobre o significado da vida. Pela relevância do tema, é necessário que todas as vozes católicas sejam ouvidas e nós, como Católicas pelo Direito de Decidir, sentimo-nos interpeladas a dar nossa contribuição.

Reiteramos com a Igreja que todas e todos têm direito a uma vida plena e digna, conforme o Evangelho de Jo 10, 10: "Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância". Com ela, lembramos a necessidade urgente de se reverter o processo de degradação da natureza, que, certamente, coloca em risco a vida das futuras gerações. Com ela reafirmamos que defender a vida é lutar contra a pobreza, a exclusão, a situação de extrema injustiça social do nosso país. Com a Igreja, entendemos que defender a vida é criar condições para que se realize o direito a uma vida sem violência, sem desigualdade de nenhuma ordem, sem opressão, sem exploração, sem medo, sem preconceitos.

Direito a uma vida sem violência. Significa que a pessoa não deve ser vítima de violência já no ventre materno.

No entanto, como católicas, tendo como referência a tradição cristã e os valores evangélicos, há questões que nos parecem fundamentais quando a vida das pessoas está em jogo. Por isso, queremos interrogar a Igreja sobre as contradições entre seu discurso e sua prática em relação aquilo que ela apresenta como defesa da vida.

Os comentários a seguir tomarão por base a razão humana e a mais pura tradição cristã.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e ignorar milhões de pessoas que morrem, no mundo todo, vítimas de doenças evitáveis, como a aids? Seguir condenando o uso de preservativos que salvariam tantas vidas, numa brutal indiferença à tamanha dor?

São várias as instituições das Igrejas cristãs dedicadas a cuidar dos doentes, lutar contra doenças evitáveis, aliviar aidético(a)s, sem discriminação. A Igreja pode orientar quanto a uso de preservativos a seus fiéis, o que significa seguir o comportamento ético condizente com referida fé. Quem não tem fé não é obrigado a seguir as Igrejas, mas sua própria consciência ética.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar as pessoas a sofrerem indefinidamente num leito de morte, condenando o acesso livre e consentido a uma morte digna, pelo recurso à eutanásia?

Aqui entram o princípio do respeito à vida e o princípio da precaução. A tradição cristã, alegada no primeiro parágrafo acima, sempre defendeu a vida. O princípio da precaução recomenda que não se corte a vida de quem pode retomar a consciência a qualquer momento, como já ocorreu com pessoas mantidas em coma por anos. Além disso, é prudente supor que a pessoa esteja com um problema ainda não dominado, em suas causas e conseqüências, pela ciência atual.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar as pesquisas com células-tronco embrionárias, que podem trazer alento e perspectiva de vida digna para milhares de pessoas com deficiências?

Aqui a Igreja vale-se de dois princípios: o geral de não matar a célula-pessoa (o mesmo contra o aborto) e o da precaução, agora sob outro enfoque: ainda se sabe pouco sobre os efeitos sinérgicos dessa manipulação genética sobre o futuro da raça humana. Neste particular, é preciso desconfiar da autoconfiança e do ufanismo da ciência.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e dizer que se condena o racismo quando se impede a manifestação ritual que incorpora elementos religiosos indígenas e afro-latinos nas expressões litúrgicas católicas?

Sou contra qualquer racismo. A orientação quanto a rituais católicos não envolve problema ético do quilate do respeito à vida e essa argumentação é descabida, aqui. Os rituais mudam, conforme a consciência coletiva dos católicos, em cada momento histórico. Há um mandamento "não matarás", mas não há um mandamento "não entra negro, não entra índio". O cristianismo é religião universalista, aberta a todos.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e condenar a intolerância que mata, quando se afirma a superioridade cristã em relação às outras crenças?

Toda intolerância que mata é condenável. Porque desrespeita a fundamental dignidade da vida humana. A afirmação de suposta superioridade é um erro que não justifica este outro: tirar da criança a chance de viver.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e eliminar a beleza da diversidade humana, com atitudes e discursos intolerantes em relação a expressões livres da sexualidade humana, condenando o relacionamento amoroso entre pessoas do mesmo sexo?

Todas as confissões cristãs estão na obrigação de rever sua teologia sobre a afetividade, tanto heterossesual como homossexual, à luz dos avanços da ciência de hoje. Questões sobre a sexualidade são sérias, pois envolvem uma expressão central da vida da pessoa, porém mais séria e mais radical é a manutenção da própria vida da pessoa, a partir da sua concepção. O(a) homossexual eliminado(a) já no seio da mãe jamais viverá sua sexualidade.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e fazer valer mais as normas eclesiásticas do que o amor, impedindo a reconstrução da vida em um segundo matrimônio?

A principal norma de Jesus Cristo é o amor e quem ama não tira a vida de alguém, seja alguém com um minuto de vida, seja alguém com um século de existência. Ou só as pessoas jovens, de meia idade e saudáveis têm direito à vida? É preciso estar viva para a pessoa viver o primeiro, segundo ou terceiro matrimônio. E, assim, participar e lutar por espaço em sua Igreja...

- Pode-se afirmar a defesa da vida e denunciar as desigualdades, quando a mesma Igreja mantém uma situação de violência em relação às mulheres, submetendo-as a normas decididas por outros, impedindo-as de realizarem sua vocação sacerdotal, relegando-as a uma situação de inferioridade em relação aos homens da hierarquia católica?

As Igrejas cristãs e toda a sociedade têm uma grande dívida para com as mulheres. É inegável que tudo é maxista nas expressões cristãs, se bem que maxistas são também os rituais de outras religiões. Porém, se abortadas, pelas razões defendidas pelas defensoras do aborto, as mulheres jamais chegarão ao sacerdócio. Primeiro é necessário deixá-las nascerem.

- Pode-se afirmar a defesa da vida, quando se tenta impedir a implementação de políticas públicas de saúde - como é o caso do planejamento familiar e da distribuição criteriosa da contracepção de emergência - que visam prevenir situações que podem colocar em risco a vida das pessoas?

As Igrejas cristãs ainda vão elaborar e difundir largamente uma teologia da afetividade que contemple, a um só tempo, a relação sexual e a opção de evitar a concepção. Uma relação sexual nestes termos nem sempre é sinal de egoismo. As Igrejas cristãs se opõem, com coerência, aos métodos anticoncepcionais abortivos e abertos à exploração sexual recíproca. Tais práticas não revelam amor, mas egoista busca do prazer, à custa do(a) parceiro(a) e, como quer o manifesto, à custa da vida da criança gerada.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e desrespeitar o princípio fundamental à realização de uma vida digna e feliz, que é o direito de decisão autônoma sobre o próprio corpo? Condenar as mulheres a levar adiante uma gravidez resultante de estupro, a não interromper uma gravidez que coloca a vida delas em risco, ou cujo feto não terá nenhuma condição de sobreviver?

É indefensável eticamente "o direito de decisão autônoma sobre o próprio corpo". Todas as nossas decisões têm um caráter pessoal e social. Este "direito", se adotado, justifica o suicídio, o consumo de drogas ilícitas e tantos outros comportamentos prejudiciais à preservação da vida da humanidade. O aborto retira da criança o direito de usar o corpo dela. Ou a criança no ventre da mãe não tem este direito? Quem nega este direito à criança, não pode exigir tal direito para si.

- Pode-se afirmar a defesa da vida e cercear o livre exercício do pensamento, impedindo a expressão da diversidade existente no interior da Igreja?

Sou completamente a favor da liberdade de pensamento e da democracia nas Igrejas Cristãs, nas questões pastorais, culturais, na inserção na sociedade atual, na luta por justiça. Havemos de convir, entratanto, que as verdades de fé como o "não matarás" são verdades vindas de Deus para os homens. Ou você as aceita ou não. Não dá para dizer que é cristão e não aceitar o "eu vim para que todos tenham vida" (Jo 10,10).
Vale repetir: é preciso estar vivo para exercer o livre exercício do pensamento. Se a pessoa for eliminada no ventre da mãe, de que forma ela irá exercitar livremente seu pensamento?

Neste manifesto, Católicas pelo Direito de Decidir une-se a todos aqueles que, dentro da Igreja e na sociedade brasileira em geral, desejam contribuir para que a defesa da vida seja compreendida em sua complexidade e se realize o direito de tod@s de viver com dignidade.

Viver primeiro. Uma vez viva, a pessoa poderá viver com dignidade. Quem defende o aborto desconhece, primeiro que tudo, que a vida humana tenha dignidade. Há um imenso campo de luta no mundo de hoje, para que as pessoas vivam com dignidade. O primeira luta é a luta pela vida. Uma vez viva, a pessoa poderá exercer o direito à vida em dignidade. A sociedade se organiza para lutar por isso. Toda a sociedade tem dívida para com os pobres, os miseráveis, todos os atingidos em sua dignidade. Reconhecer a dignidade humana é, fundamentalmente, defender a vida em todos os seus momentos. Da concepção à morte natural. Isso é coerência com a tradição cristã. Pois, como dizia Sto. Irineu, nos primeiros séculos do cristianismo, "a glória de Deus é o homem vivo".

Um comentário:

  1. Ademir,
    Li apenas os seus comentários em negrito, que por sinal, estão muito bem postos.

    É ótimo ler suas opiniões pessoais, com suas próprias palavras, e não apenas transcrição de artigos de outras pessoas.

    Parabéns pela defesa do direito à vida.

    Abraço,
    Thiago de Góes
    www.contosbregas.zip.net

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