segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Calou-se Mais Um Intérprete dos Brasileiros Simples: Waldick Soriano.

José Lemos
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
lemos@ufc.br.

Na semana passada o Brasil perdeu um dos seus grandes interpretes da música popular. Foi-se Waldick Soriano, que muitos da autodefinida elite cultural brasileira, de forma arrogante e hipócrita, insistem em não reconhecer a obra, como um retrato em cores vivas e autênticas da simplicidade da maioria dos brasileiros. Houve época no Brasil em que assumir que se gostava de ouvir músicas do tipo “dor de cotovelo” significava ser execrado pela aquela gente que se dizia ter “fino gosto”.

Admitir ouvir e gostar de músicas de cantores como Waldick Soriano era sinônimo de alienação para os “patrulheiros ideológicos” que apenas “reconheciam” manifestação popular se tivesse o tal do “engajamento político”, mesmo isso não significando coerência ideológica e postura ética. Assumir que se apreciava arte como aquela significava ser rotulado de “brega”. “Chique” seria ter “comportamento de vanguarda”, ainda que isto significasse, mais tarde, demandas pecuniárias compensatórias por aqueles “ideais” que os “vanguardeiros” diziam possuir.

Muitos desses “revolucionários” conseguiriam indenizações polpudas e aposentadorias generosas do Estado Brasileiro. Ressarcimentos que foram conquistados às expensas do suor de milhões de excluídos (os “bregas”) que não tiveram a mesma “desenvoltura”, e poder de “persuasão” daqueles que lhes condenavam o gosto musical que retratava o seu cotidiano. Por isso seguem sobrevivendo com renda minguada, enquanto que muitos dos “engajados chiques” foram definitivamente cooptados pelo sistema que diziam combater e hoje usufruem contas bancárias recheadas decorrentes do seu “envolvimento militante” do passado. Continuam com a pose de “paladinos do politicamente correto” e de serem “contra tudo isso que aí está”. Inclusive a arte de que os mais pobres gostam.

O Brasil, na sua diversidade geográfica e cultural, tem produzido artistas que conseguiram captar os sentimentos de uma época. Por isso, esses brasileiros precisam ser reconhecidos devido à sua capacidade de traduzir, na sua arte, um conjunto de sentimentos pulsantes de sua gente. Waldick Soriano foi um desses. Assim como o foram Lupcinio Rodrigues, Maísa, Altemar Dutra, João do Vale, Luis Gonzaga, Patativa do Assaré, dentre os que já nos deixaram. Continuam sendo o Roberto Carlos, Paulinho da Viola, Dominguinhos, entre outros que, felizmente, continuam cantando a sua arte.

Roberto Carlos também foi vitima desse patrulhamento num passado não muito remoto. Nada, contudo, que impedisse que a atual Prefeitura “engajada” de Fortaleza o contratasse, a peso de ouro, para fazer show este ano ao ar livre com direito a tietagem daqueles e daquelas que outrora o apedrejavam porque sua música era “alienada”. Nada como a proximidade de uma eleição para mudar “convicções arraigadas” e aguçar “despojamento público”.

Waldick Soriano conseguiu captar, com sua sensibilidade, e transmitir nos versos de músicas como “Torturas de Amor” a complexidade de sentimentos mal resolvidos, traduzidos com simplicidade, mas repletos de beleza poética. Esta música seria mais tarde resgatada na belíssima voz de Maria Creusa. Aquela Diva que nos anos setenta interpretou magistralmente com Vinicius de Morais, Tom Jobim e Toquinho algumas das músicas mais antológicas do cancioneiro brasileiro de autoria desses compositores.

Que outro cantor-compositor ousaria escrever uma música com o titulo “Eu não sou Cachorro Não”, cujos versos mostram a que ponto pode chegar um homem que quer conquistar o afeto de uma mulher? Histórias humanas vivenciadas por qualquer um, de qualquer classe social, com ou sem conta bancaria farta. A nossa vida sintetiza-se em sentimentos assim. Pessoas apaixonadas movidas pelo amor, pelo desejo, pelo tesão e pela ternura, na busca incessante de partilhar, com alguém, as suas aventuras e desventuras.

Nada nesta vida faria o menor sentido se não fosse assim. Um percentual pequeno de brasileiros pode usufruir disso de forma confortável. A maioria não consegue vivenciar sentimentos assim, protegida pelo conforto de uma acomodação confortável e de renda mais folgada. Nem por isso, contudo, deixa de experimentar, na plenitude e na exaustão, tais emoções. Esse era o público mais fiel à arte de Waldick Soriano. Talvez por isso ela era recebida com nariz retorcido por aqueles mais bem posicionados na pirâmide social.

Waldick Soriano foi-se como se foi João do Vale, quase esquecido. João do Vale que teve a sua obra reconhecida por ninguém menos do que Chico Buarque que tentou resgatar-lhe, em vida, a sua arte para a população brasileira. Brasileiros que são atualmente bombardeados por “músicas” horrorosas veiculadas nas rádios (principalmente nas FM) e nas televisões, grande divulgadoras de baboseiras no Brasil. Como dizia o nosso Belchior (outro esquecido), “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. Mas estão passando. Como passaram Harrison, Lennon, Elvis, Elis Regina, Nara Leão, Clara Nunes, Zequeti, Candeia... Waldick cantou o que as pessoas simples gostam de ouvir e de sentir, e que o tinham como um autêntico porta-voz, por isso a grande empatia entre ele e o seu público.

sábado, 13 de setembro de 2008

Governo Admite Ter Ignorado Parecer dos Técnicos sobre Rio Madeira e Ministério Público Federal Abre Inquérito

Por
Patrícia Bonilha
Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org. br
Link: http://www.amazonia.org.br
Data: 12/09/2008

"Houve de fato o parecer dos técnicos, mas depois o parecer do diretor foi
outro" - reconheceu o presidente do IBAMA, Roberto Messias Franco, após ser
questionado repetidamente pelo plenário do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) a respeito das razões pelas quais - apenas três dias após
receber parecer contrário à concessão da Licença de Instalação para a usina
de Santo Antônio - a mesma foi liberada sem explicações a respeito da
mudança de opinião do órgão.

A afirmação de Messias Franco se deu no contexto de uma sessão especialmente dedicada a esclarecer as alegadas irregularidades no processo de licenciamento das duas usinas do Rio Madeira, para a qual foram convocados IBAMA, FUNAI, Ministério da Saúde, MPF e a OSCIP Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Na mesma sessão, o representante do MPF leu um ofício encaminhado pelo procurador Heitor Alves Soares que anuncia ter instaurado inquérito para apurar as razões pelas quais foi desrespeitado o laudo técnico conclusivo.

A discussão no CONAMA viu as ONGs de todas as regiões do país atacarem duramente o governo. "O governo Lula - ao ignorar a presença dos índios isolados na área de impacto da obra - está os condenando ao genocídio", afirmou a representante das ONGs da região Norte, Neidinha Bandeira, de Rondônia. Zuleica Nycz, representante da região Sudeste, AMA lamentou o fato de que o presidente do IBAMA se esquivou de responder à maioria das perguntas dos conselheiros, prometendo mais detalhes depois, por escrito. "Nessa altura precisamos de um painel de acompanhamento formado por
especialistas de renome para apurar realmente o que aconteceu com esse
licenciamento", afirmou.

As ONGs se valeram também de uma assessora técnica, Telma Monteiro, que apresentou dados sobre aspectos negligenciados pelos estudos, tais como a retirada das toras de madeira que descem o rio e diversas questões relacionadas com os sedimentos. Todos os ministérios foram chamados pela Casa Civil a defender o processo de licenciamento das usinas na reunião, em alguns casos com efeitos indesejados: o Ministério de Minas e Energia, por exemplo, arriscou oferecer explicações a respeito do processo, admitindo assim ter interferido no mesmo contratando estudos em lugar do IBAMA, o que é contrário aos procedimentos legais.

Já o governo de Rondônia, apesar de não questionar o licenciamento, admitiu ter reservas sobre o fato que não foram estudados os impactos sociais após a obra,
prevendo o que chamou de "ressaca depois da atração de 40 mil empregos diretos".

De acordo com Roberto Smeraldi, diretor de Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, o processo gera três preocupações: uma com os impactos ambientais, que já acontecem (por exemplo, a explosão do desmatamento), uma sobre o fato que a justiça acabará suspendendo as obras durante a construção (com impactos econômicos) e outra diz respeito a criar um precedente de "licenciamento político" em detrimento dos pareceres técnicos.

O CONAMA decidiu suspender qualquer encaminhamento sobre o tema até o recebimento das explicações por escrito por parte do IBAMA.

Patrícia Bonilha

Assessoria de Comunicação
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
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skype: pbonilha
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sábado, 6 de setembro de 2008

Água e Saneamento São Bens Vitais

Por
José Lemos
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. Autor do Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre”. lemos@ufc.br.


No “Corão”, livro sagrado dos muçulmanos, está escrito: “Através da água nós proveremos a vida para tudo”. Na Bíblia dos cristãos também são constantes as passagens que mostram a importância da água para a vida. O Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (RDH) de 2006, um documento de 420 páginas, tem metade do seu conteúdo dedicado para avaliar, analisar e mostrar a importância do acesso à água e ao saneamento para o desenvolvimento humano. Na pagina 6 desse relatório lê-se a seguinte passagem: “água e saneamento estão entre os mais poderosos instrumentos de medicina preventiva disponíveis para os governantes reduzirem doenças infecto-contagiosas. Investimentos nestas áreas eliminam doenças como diarréia, cuja prevenção significa salvar vidas”.
Há uma forte relação entre exclusão social e falta de acesso à água e ao saneamento. A ONU estima que das 6,7 bilhões de pessoas que hoje povoam o mundo, dois (2) bilhões não tem acesso a esses serviços. Esta entidade prevê que 30% da população da terra não terá água de qualidade em 2025 e que 1/3 não terá instalações sanitárias adequadas. As maiores carências estarão nos grotões da África, Ásia e América Latina.
Nos locais onde não tem água, são as mulheres e as crianças que a buscam nas mais diversas e longínquas fontes. Em Moçambique e em Uganda, as mulheres chegam a alocar até 15 horas diárias do seu tempo na busca de água para as suas casas. É bastante comum as mulheres caminharem até 10 quilômetros semanais nesses paises em busca de água durante os períodos de estiagem. As crianças pobres que precisam buscar água para prover as necessidades das suas famílias têm um custo adicional que é o de não poderem freqüentar a escola, porque no horário das aulas estão se deslocando para a fonte de coleta de água, como se depreende do depoimento de uma menina de 10 anos de idade no local chamado de El Alto que fica na Bolívia: “naturalmente que eu gostaria de estar na escola. Eu quero aprender a ler, escrever e também gostaria de estar lá com os meus colegas. Mas como eu poderia? Minha mãe precisa de mim para apanhar água e o local onde se busca água apenas funciona de 10 a 12 horas. Tenho que chegar cedo para conseguir um bom lugar na fila, porque muitas pessoas vêm para cá em busca de água” (RDH, 2006).
Este depoimento, que arrepia pela sua dureza, também poderia ser dado por uma criança do Maranhão ou do Ceará. Da Paraíba ou de Alagoas. Do Piauí ou da Bahia. Poderíamos ouvi-lo em qualquer rincão deste Nordeste. A falta de instalações sanitárias dignas é coadjuvante. Não dispor delas significa conviver com promiscuidade e com doenças. Assim, as famílias que moram nos domicílios mais pobres sem saneamento e água limpa estão mais vulneráveis a vários tipos de doenças.
Nos períodos de estiagem, em que as populações do Nordeste são abastecidas pelos carros-pipas, as populações pobres, que precisam recorrer a essa fonte de abastecimento, têm uma despesa extra com a compra da água. Na estiagem do ano passado (2007), por exemplo, no município de Salitre no Ceará, um dos mais carentes desse Estado, o preço de um vasilhame de 20 litros de água chegou a ser comprado por R$ 10,00. Ou seja, os pobres ainda têm que despender parcela significativa da pouca renda que auferem para comprar água a preços exorbitantes em épocas de maiores dificuldades.
Atualmente no Brasil estima-se que 16% da população, ou 30,4 milhões de pessoas, não tenham acesso à água encanada, e 30%, ou 57 milhões de brasileiros não disponham de destino adequado para os dejetos diários. As regiões mais carentes, em termos relativos, são o Nordeste, com 51% da população sem saneamento adequado; e o Norte, onde a ausência de saneamento penaliza 48% da população. Nessas regiões também estão os maiores contingentes populacionais com privações de água de qualidade. Paradoxalmente na região Norte, onde estão os maiores reservatórios de água doce do planeta, 44% da população não têm acesso à água de qualidade nos domicílios. No Nordeste este percentual é de 25%. O desdobramento dessas carências mostra que elas são muito mais acentuadas nas áreas rurais de todo o Brasil. O mapeamento também sinaliza que em estados como Alagoas, Piauí, Maranhão, Paraíba, Acre, Rondônia e Ceará as situações são muito mais difíceis. Não é por acaso que esses estados lideram o ranking brasileiro detendo os maiores percentuais de socialmente excluídos e possuindo os menores padrões de desenvolvimento humano. Prover saneamento e água de qualidade para uma população em crescimento contínuo é o grande desafio deste milênio no mundo. No Brasil e no Nordeste o desafio não é menor.

Publicação simultânea com O Imparcial, de São Luís do Maranhão.