sábado, 8 de março de 2008

Não Tenho Corpo. Sou Corpo

O linguajar revela nossas ideologias. Humanas ou anti-humanas. Ao dizer "tenho direito a usar meu corpo", a pessoa estabelece uma dicotomia eu-corpo. Meu corpo está externo a mim, posso usá-lo como uso uma mercadoria, seja esta um perfume ou uma nave espacial. Posso usá-lo como os senhores usavam os corpos dos escravos e escravas. Posso usá-lo como Hitler usava os corpos dos judeus. Posso usá-lo para me dar prazer.

A coisificação do corpo é uma das dimensões possíveis do relacionamento da pessoa consigo mesma. E dos relacionamentos da pessoa com as outras pessoas. Os usos acima bem exemplificam esta possibilidade. São possibilidades colocadas pelo capital, todas pautadas pelo valor de uso. É a "mercadorização" do corpo. Sim, porque o capital transforma tudo em mercadoria. Livre, a pessoa humana pode relacionar-se consigo mesma neste padrão dicotômico. Afasta-se de si para usar seu corpo como algo estranho a si.

Esta não é, porém, uma relação personalizante. Pelo contrário, é coisificadora da pessoa. Eu me transformo em uma coisa-mercadoria para mim mesmo. Perfeitamente conformado com o sistema de exploração capitalista da pessoa humana. E, pior, muitas vezes, fazendo o discurso da liberdade. Clamando: "Eu quero usar meu corpo para me afirmar como pessoa livre!"
A relação da pessoa com sigo mesma na base do corpo-coisa não é a única possível. Pode haver uma relação corpo-pessoa. Tomaz de Aquino definiu pessoa em sua Suma Teológica como "substância indivisível dotada de razão". Nada complicado, porém de conseqüências radicais: o corpo é material. Sua dimensão totalizante não admite mutilações. É capaz de se autodeterminar da melhor forma, frente a alternativas.
O Ocidente ainda não elaborou definição melhor. Esta definição de pessoa dá sustentação a todos os códigos de relacionamento social criados até aqui: pela vida humana, contra a tortura, contra mutilações, por justiça social, por um mundo ecologicamente correto, e por aí vai.

A sociedade brasileira vai posicionar-se acerca de pesquisas científicas com células-tronco. Resta saber se vencerá o conceito de corpo-mercadoria ou o de corpo-pessoa.

2 comentários:

  1. Ademir, muito apropriado a sua reflexão. E é um conceito longevo, não é passageiro. Se poderia discuti-lo em qualquer momento da história da humanidade. Na atualidade mais ainda, considerando todos os aspectos retratados por você, mas, principalmente, por conta do modelo ideológico, cultural e social que estamos inseridos. Ser corpo, ser sujeito neste modelo, parece que é cada vez mais difícil. Por isso, os "heróis", a resistência, os baluartes que se insurgem são às vezes tão perseguidos. E na realidade o poder que está em disputa se perfaz numa luta fraticida muito grande. Às vezes não percebida por muitos. Mas a resultante parece ser ou favorável ou apropriada (de apropriar-se) por aqueles que durante décadas se mantiveram do lado da minoria privilegiada. Fico, às vezes, muito triste por, na minha própria casa, sem vencido pelos apelos do "ter corpo".

    ResponderExcluir
  2. Ademir, o anônimo do comentário anterior, foi eu. Ainda estou me acostumando ao sistema. Reforço, o aspecto final:"...fico, às vezes, muito triste, por na minha própria casa, na minha família, ser vencido pelos apelos do "ter o corpo".

    ResponderExcluir