quinta-feira, 6 de março de 2008

Dia Internacional da Mulher

Por
José Lemos
Engenheiro Agrônomo.
Professor Associado na Universidade Federal do Ceará
lemos@ufc.br.


Hoje, 8 de março, comemora-se o “Dia Internacional da Mulher”. A data tem uma simbologia importante, na medida em que nos faz refletir acerca do papel da mulher numa sociedade machista, complexa e desigual como a brasileira e, sobretudo, na Amazônia e no Nordeste, as duas regiões mais carentes do Brasil. Estive relendo o livro do Gilberto Freire “Casa Grande e Senzala” e nele podemos observar a importância da mulher em toda a trajetória econômica, social e política do Brasil, desde o seu descobrimento. Ali está relatado como viviam as negras ‘importadas’ da África que eram escravizadas e, nesta condição, também estavam obrigadas a servir aos devaneios libidinosos dos seus senhores.

Igualmente está descrita a saga das índias, que também eram escravizadas, tratadas como objetos sexuais e, por isso, eram contaminadas pelas doenças venéreas transmitidas pelos colonizadores. O contato com esses colonizadores contribuiu para dizimar boa parte da população indígena brasileira, ou pelas doenças contraídas a partir do contato físico, ou pela disputa desigual pelas riquezas naturais da colônia pertencentes aos nativos, ou mesmo pelo próprio processo de escravização que lhes foi imposto pelos alienígenas.

As negras e índias, porém, mesmo sob condições desumanas, exerceram papel importante na formação da população brasileira, na sua miscigenação e na sua aculturação. Participação importante também tiveram na nossa culinária e sobre os nossos hábitos, inclusive na nossa forma de falar o português. Assim, pode-se dizer que aquelas mulheres anônimas, subjugadas, humilhadas, maltratadas e desrespeitadas tiveram uma grande contribuição na formação do aglomerado que hoje nós constituímos. Não poderiam, portanto, ser esquecidas numa data que se tenta homenagear as mulheres.

Em vez de reverenciar mulheres que marcaram a sua passagem por este planeta de forma mais destacada, nem por isso mais importante, preferi centrar reflexões sobre aquelas pobres e anônimas do Nordeste e da Amazônia que, em boa parte, ainda continuam levando uma vida que não é muito diferente daquela retratada na obra de Gilberto Freire. Sobretudo as mulheres agricultoras dessas regiões e, de forma especial, as quebradeiras de coco do Maranhão, Piauí e Tocantins. Mulheres que executam jornadas múltiplas na sua faina diária. Quebram coco babaçu desde a mais tenra idade. São agricultoras que laboram junto aos companheiros em todas as atividades de cultivo das lavouras. Cuidam da casa, dos filhos e do companheiro. Ainda encontram tempo para carregar vasilhames d’água na cabeça percorrendo longas distâncias. Portanto, mulheres de muita força e garra que, quando não as têm, buscam-nas de dentro do corpo, quase sempre muito fragilizado pela própria carga de tarefas que executam. São essas mulheres que anonimamente constróem economias singelas, solidárias, em muitos casos, sem circulação de moeda, e não desistem de mostrar que ainda há vida em grotões Amazônicos e Nordestinos.


São as Marias de vários Santos: Marias de Jesus; Marias da Glória, Marias de Fátima, Marias da Graça, ou simplesmente Marias. São mulheres com nomes de flores como Rosas, Margaridas, Violetas... Muitas identificadas por apelidos: Mundicas, Concitas, Dadás, Lilis, Chicas, Bastianas, Dijés... Mulheres comuns de olhos tristes, sem brilho, que miram num vazio e não enxergam um futuro melhor do que o seu presente. Mulheres que perderam a capacidade de sonhar, se é que sonharam algum dia. Mulheres que precisam ser lembradas em todos os dias de todos os anos. Lembradas para poderem ser atendidas nas suas necessidades elementares, como terem espaços para exercerem a sua capacidade de criação, poderem auferir renda monetária decente, morar com dignidade, ter acesso a educação, adquirir condição de planejar o número de filhos que podem criar...


Não queria destacar qualquer das mulheres que conheci nas muitas viagens que fiz como pesquisador por este Brasil afora, e em muitos estados do Nordeste e da Amazônia, para não cometer injustiças. Gostaria apenas de lembrar uma frase de uma dessas mulheres anônimas. Estava participando de uma mesa de debates da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em São Luis, em julho de 2004. Daquela mesa participava uma agricultora que estava indignada com a tutela que nós técnicos e, sobretudo, quem toma decisão de políticas públicas, tentamos exercer sobre as pessoas pobres. Partimos do fundamento equivocado que as pessoas carentes não sabem o que querem, e que das nossas cabeças iluminadas é que devem brotar as idéias salvadoras. Pois bem, aquela mulher começou a sua intervenção naquela mesa com esta frase: “Nós é pobre, mas nós não é besta. Nós sabe o que nós quer.” Assim mesmo, curta e objetivamente. Sábias palavras que fizeram todos que estávamos naquela mesa e no plenário ficarmos calados e refletir. Oxalá todas as mulheres pudessem exercitar o seu direito de desabafar e de buscar melhores dias neste oito de março e em todos os dias de todos os anos de suas vidas!

Publicação simultânea com O Imparcial, de S. Luís do Maranhão

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