quinta-feira, 6 de março de 2008

MENSAGEM DO FÍSICO ALEXANDRE ARAÚJO COSTA PARA A AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE CARVÃO MINERAL COMO MATRIZ ENERGÉTICA

Usinas termelétricas – a carvão principalmente – estão na contramão do desenvolvimento sustentável... Estudemos alternativas. Viabilizêmo-las! E façamos nossa parte no combate ao aquecimento global. O Ceará pode ser exemplo... de novo!

Prezados Senhores, Prezadas Senhoras,

Gostaria de agradecer o convite da Assembléia Legislativa do Ceará para expor meu posicionamento junto a esta Audiência Pública, nas pessoas de seu Presidente, Dep. Domingos Filho, do Presidente de sua Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semi-Árido, Dep. Cirilo Pimenta, do requerente, Dep. Augustinho Moreira e do Dep. Heitor Férrer, a quem repassei este texto. Impossibilitado por questões de ordem pessoal de me deslocar até São Gonçalo do Amarante, espero que minha reflexões possam chegar à Audiência por meio desta mensagem.

Escrevo na condição de cientista, de físico formado pela Universidade Federal do Ceará, com Mestrado em Física de Nuvens (também pela UFC), Doutorado em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado, nos EUA, e Pós-Doutorado em Atmosferas e Oceanos pela Universidade de Yale, segunda instituição de ensino superior a ser criada naquele País, em 1702 e uma das mais conceituadas Universidades do Planeta. Escrevo na condição de Gerente do Departamento de Meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, instituição com 35 anos de serviço prestado à sociedade cearense nos problemas de Clima, Àgua e Ambiente, e de Professor do Mestrado em Ciências Físicas Aplicadas da Universidade Estadual do Ceará. Escrevo na condição de servidor público, ciente do dever de lealdade para com a população de meu Estado. Falo na condição de filho de filhos do Sertão Central, com raízes profundamente ligadas ao seio desta terra.

Podemos afirmar com toda certeza que vivemos, como civilização, uma encruzilhada de grandes proporções. Inebriados com as maravilhas, os avanços e o conforto proporcionados pela sociedade industrial, não percebemos a rápida transformação que operamos no fio mais delicado da teia complexa do clima global: a atmosfera de nosso planeta. Saúdo com entusiasmo as possibilidades abertas pelos vários avanços tecnológicos, que nos possibilitaram uma maior expectativa de vida e que nos permitiram não só viver mais, como nos comunicar, nos transportar e nos conhecer melhor. Mas não posso deixar de lembrar que tudo possui um custo e que nossa conta para com a natureza entrou no vermelho, e que esta é a cor do alerta que a comunidade científica mundial tem lançado. Em pouco mais de um século, a queima de combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – fez com que a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera da Terra aumentasse em quase 40%. Juntamente com outras ações humanas, como a agropecuária e as queimadas, estamos a elevar a proporção desse e de outros gases de efeito estufa até níveis cada vez mais perigosos. A sociedade civil, os governantes e demais tomadores de decisão, cada um de nós, em cada atitude pequenina e em cada ação de maior escala, devemos agir conscientes de que podemos estar inviabilizando as condições de vida das gerações futuras, de nossos filhos e netos, dos seus filhos e netos.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, de posse dos melhores conjuntos de dados sobre o assunto e no uso das melhores ferramentas observacionais e de modelagem, e após quase duas décadas de debate, rompeu o silêncio. Nós, cientistas, diante de um grande perigo para a humanidade e para as mais diversas formas de vida no planeta, lembramos que, no ritmo atual de emissão de gases estufa, transformaremos a Terra num ambiente radicalmente diferente, vários graus de temperatura mais quente, com oceanos mais elevados e mais ácidos, com maiores chances de eventos climáticos e meteorológicos severos, com alterações nos padrões de umidade, ventos e precipitação. Há indícios de que este planeta já foi, antes da presença de organismos fotossintetizantes, muito mais quente do que é hoje. Vênus, em nosso sistema solar, com uma atmosfera quase toda composta de dióxido de carbono, produz temperaturas de quase 500 graus em sua superfície! Mas, se quiserem um exemplo mais prosaico do que seja um efeito estufa, experimentemos o desconforto de um veículo fechado, abandonado ao sol. Há, porém, uma diferença: não é possível "abrir os vidros do Planeta"...

Parece tão óbvio que nós dependemos da natureza; que nos equilibramos na teia delicada que mencionei antes, com nossas lavouras adaptadas a determinados padrões climáticos, com nossos reservatórios de água dependentes de vazões mais ou menos regulares dos cursos d'água; que nossa pesca se sustenta em um número relativamente reduzido de espécies e que o ecossistema costeiro e marinho pode colapsar ou, ao menos, ser severamente atingido com a morte de corais pela presença de mais dióxido de carbono nos mares; que biomas singulares e vulneráveis como nossa Amazônia e nossa caatinga podem sofrer danos irreversíveis, com perda de vulnerabilidade e prejuízos incomensuráveis em serviços ambientais. Parece óbvio, mas não agimos como se assim o fosse. Ultrapassamos o ritmo dos ciclos naturais: da água, do nitrogênio, do carbono!

Sim, carbono! Estamos atirando na atmosfera bilhões de toneladas de carbono por ano, levando décadas para desfazer um processo para o qual a natureza requer milhões de anos. O nome "combustível fóssil" não é casual: petróleo, carvão e gás são tudo o que restou da decomposição radical de organismos vivos ao longo de eras. Sua combustão, para mover nossas indústrias, nossos carros e aviões e nossa eletricidade está centenas de milhares de vezes mais acelerada que o ciclo natural do carbono!

Mais do que nunca, é preciso agir, a cada momento, com coerência, para mostrar que é possível romper toda essa lógica, manter a civilização humana e suas conquistas, oferecer um futuro sustentável, justo e humano para os que ora são pequenos e para os que ainda estão para chegar. Mais do que nunca precisamos demonstrar nossa capacidade de superar as tecnologias que hoje são base para grande parte do setor de transportes e de energia em escala mundial.

Especificamente no que tange à geração de energia, a humanidade precisa aposentar as termelétricas a combustível fóssil. Particularmente aquelas movidas a carvão produzem uma quantidade gigantesca de dióxido de carbono, num processo pouco eficiente de queima, para gerar energia. Devem, em breve, pertencer ao passado! EUA, Reino Unido e China, dentre outros países, possuem uma matriz energética profundamente dependente dessa forma arcaica e poluidora. São pressionados internacionalmente para apresentar avanços em outra direção. De nossa parte, com forte presença de recursos renováveis, temos uma base de hidrelétricas na produção de nossa energia elétrica. Ao lado disso, somos celeiros de outros recursos alternativos, renováveis e não poluentes, como a energia do sol, dos ventos e das marés. O Ceará, pioneiro no País, vislumbrou a eólica como via – muito antes de ser possível seu aproveitamento econômico de maneira competitiva e em grande escala como agora. Foi exemplo. Deveria continuar a ser exemplo.

Relembro: o dióxido de carbono é o principal gás de efeito estufa em nossa atmosfera. Suas emissões têm de ser reduzidas drasticamente em poucas décadas, reduzindo profundamente a queima de combustíveis fósseis para fins de transporte e energia, combatendo sem trégua as queimadas e modificando radicalmente nossas práticas na agropecuária.

Usinas termelétricas – a carvão principalmente – estão na contramão do desenvolvimento sustentável, da possibilidade de avançarmos minimizando as agressões ao ambiente e de deixarmos um legado positivo às gerações futuras. Mas é "só uma usina", poderiam me contradizer... E o que podem dizer outros? Que a deles é "só mais uma"... E com "mais uma" aqui, "mais uma" acolá, nada muda. Estudemos alternativas. Viabilizêmo-las! E façamos nossa parte no combate ao aquecimento global. O Ceará pode ser exemplo... de novo!



Obrigado!

Alexandre Araújo Costa
Físico, Doutor em Ciências Atmosféricas

Audiência ocorrida na Praia do Pecém, Ceará, em dia 05/03/2008

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