quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Comentário ao "Querem Colocar a Culpa no Trabalhador"

Maria Amélia, Presidente da Associação Missão Tremembé, de Fortaleza, comenta o post e travamos um diálogo que reproduzo aqui, com autorização dela.
Vai também a conversa com um anônimo.


Ademir,

Li atentamente a sua reflexão e fiquei imaginando partilhar desse momento que é mais que um momento, um espaço da vida, ou até grande parte da nossa vida. Na verdade mesmo não estando ligada a uma instituição de trabalho, a vida continua com todas essas implicações, seja na família, seja no trabalho voluntário, nas lutas, no conjunto da vida toda.
A minha experiência no trabalho profissional em que fui professora em escolas públicas durante doze anos, sempre nas periferias da vida; em setores de saúde (Postos de Saúde, Hospitais de crianças) uns quatro anos; numa empresa mista do governo - RFFSA também quatro anos; e por fim num Órgão do Governo Federal - doze anos (passei dois de licença por conta da ditadura), - não teve muita diferença apesar das cirunstâncias diversas em cada um dos empregos.
Consegui com outros companheiros, a partir do trabalho com os ferroviários, vivermos duas realidades: uma dominação violenta (o Superintendente era um Major do Exercito e eu trabalhei uns dois anos na secretaria da superintendência como datilógrafa - tudo ou quase tudo, passava nas minhas mãos) e, ao mesmo tempo, o governo do Jango com seus desafios e encantamentos.
Nesse tempo eu era militante da Ação Católica Operária (ACO) e trabalhava junto aos operários de várias categorias, inclusive a ferroviária. Éramos um grupo de servidores nessa proposta - formamos um Conselho em quase todos os setores da empresa (era uma proposta da nossa militância).
Cheguei a ser secretária do Clube do Trilho, uma tentativa nos anos 1959 a 1963, de se juntarem operários e engenheiros... Tudo muito bem camuflado.
Como a Administração estava tentando me cooptar, me colocaram na Chefia do Escritório de Pessoal. Dava para rir e para chorar, mas o tempo que durou foi lindo. Passei a viajar no trem pagador (não tinha Banco ainda) e enquanto uns faziam o pagamento aos ferroviários eu me reunia com outros e debatiamos a CLT, que foi um grande marco no governo Jango. Cheguei a passar dezoito dias dentro do trem pagador. Ia até Camocim, ia até o Crato. Foi uma experiência ímpar. Fiz a primeira reunião da minha vida em 1961, no Quixeramobim. Depois fui chamada pelo extinto DASP para assumir na então Delegacia Regional do Trabalho. Eu tinha convivido com os trabalhadores nas Ligas Camponesas durante as minhas férias, em Pernambuco e Alagoas. O Delegado da DRT, do PCB sabia de tudo, me colocou no Setor de Sindicalização Rural e lá fui eu acompanhar os companheiros do PC na fundação dos sindicatos rurais. Isso começou em junho de 1963 e, naturalmente, terminou em 31 de março de 1964. Foi uma bênção de Deus tudo isso.
Pois bem, por outro lado, vivenciei muitos momentos difíceis em que de fato eu era a única responsável pelos resultados de minhas ações como também o resultado das circunstâncias vividas, com quem vividas e onde e por que.
Pois é, Ademir, as nossas experiencias são também o resultado, eu penso, do conjunto que nós somos. E como tenho esse viés espiritualista, tem a ver também com o nosso passado e o que somos, em que acreditamos. A dominação existe em toda empresa, em todo setor da vida, como as perseguições, as invejas, as lutas pelo poder. Em nós, entre nós, e nois outros, nas instituições. Quem consegue escapar?
Só para terminar penso que onde deu mais certo foi onde atuei em conjunto com outros companheiros, no mesmo objetivo, uma ação conjunta. Será que algum filósofo chegou a essa conclusão? A esta altura do campeonato da minha vida, você me instigou a rever tantos momentos lindos e desafiantes, foi mais vitórias que derrotas, além da grande aprendizagem.
Você talvez nem vai acreditar mas em 2010 devo (chego lá?) completar oitenta anos. A gente sente a velhice mas nem pensa nela (meu caso). Mas quando comecei a entender que vou completar oitenta anos, acredite, tomei consaciência do peso da idade. Nem dá para acreditar. Vá desculpando, junto com quem puder ler o que escrevi.
Um abraço amigo,

Maria Amélia

Minha Resposta:
(Maria Amélia comentou dificuldades com o computador, na transmissão da mensagem acima. Começo falando disso.)

Essa maquininha tem seus encantos e suas tramas. A gente domina a bichinha, com certeza, e ela nos ajuda, claro!
Vou juntar suas "falas" e colocar no blog, se você concordar (Diga-me se concorda ou não). Acho que Ortega y Gasset sintetizou sua e minha experiências na frase "eu sou eu e minhas circunstâncias". Passar 18 dias no trem pagador, e nem reclamar, isso dependeu de sua opção (Sartre) e das circunstâncias que você fez jogarem a seu favor (Ortega). Você poderia ter feito elas "jogarem" contra você. É como interpreto.
Você escreveu: "penso que onde deu mais certo foi onde atuei em conjunto com outros companheiros". Djavan também à mesma conclusão que você, em uma de suas músicas, ao cantar "É impossível ser feliz sozinho". O pessoal da psicologia vai no mesmo sentido, ao concluir que pessoa é um ser "de relações" e se torna pessoa "em relações". Erick From: "Só conheço a mim dentro do mundo e só conheço o mundo dentro de mim" (no livro Meu Encontro com Marx e Freud).
E se você, uma jovem bela, tivesse resolvido ser "miss Brasil"? Poderia ter ganho o título, feito uma carreita de atriz como outras fizeram, mas você não teria contribuído para a "elevação das consciências" de outras pessoas. Opções. Por sua opção, você se sentiu feliz onde uma "miss" poderia sentir-se encarcerada (escrevi "poderia"). Cada um dá sentido às circunstâncias. Aqui reside a liberdade maior da pessoa. Ser capaz de "dar sentido" ao que faz, por suas opções.
Atenção, porém: não estou a dizer aqui que quem resolveu ser "miss" e/ou atriz não fez boa opção. Minhas palavras não encerram julgamento. Só estou sublinhando opções diferentes. Ambas as opções podem levar à felicidade e você se sente hoje realizada pelas opções feitas. Quem resolveu ser atriz e "miss" diga a si mesma como se sente hoje. Frisei aqui apenas opções diversas feitas por pessoas com gostos e experiências diversas. O ator que interpreta bem certamente está cumprindo um bom papel social. É a conclusão a que chego em minhas buscas.

Estou gostando de refletir em conjunto.
Obrigado por sua reação.
É por aí -- ou não, caetanamente.

Ademir Costa

Recebi também a seguinte reação:

Fico mais com Ortega Y Gasset. Onde estagio, por exemplo, é impossível haver uma harmonia. Logo, as pessoas são separadas na hierarquia: Os trabalhadores da empresa, que vêem a grana cair na conta todo mês; os contratados, que fazem o serviço duro e se matam de trabalhar, e os estagiários, que pegam o resto que os contratados não dão conta.

Isso fora as bajulações, conduta de pessoas que querem se manter nos cargos, nas comissões, e também como contratadas (os contratados não tem qualquer segurança, com o agravante de que são terceirizados através de uma empresa de "recursos humanos" que os contrata para a empresa o que é, ao meu ver, picaretagem trabalhista.

O ambiente descrito no artigo só é possível em um local onde as pessoas ganhem bem e estejam inexoravelmente seguras sobre suas funções e posições, como naquelas repartições públicas clássicas - de servidores regidos pela lei 8112 com todas suas benesses. Aí elas não teriam "nada a perder nem a ganhar" nas relações interpessoais. Onde trabalho, algumas pessoas vivem de "vigiar" as outras, de tentar apontar torpezas dos outros para se beneficiarem. O puxa-saquismo é quase um talento, uma profissão. A impressão que tenho é de estar em um ninho de cobras. Claro que existem exceções, não essse comportamento se aplica a todos, vai ver eu apenas estou na empresa errada. rsrsrsrs.

Parece mais um desabafo, mas é essa a minha (única até então), "experiência profissional".

Minha resposta ao amigo que não identifico aqui:

Muito bom seu "desabafo". Fico mais interessado em conhecê-lo e dar-lhe um abraço de congratulações pela postura.

Para você não ficar com ideia ruim de Sartre: trata-se de um dos filósofos do século XX de quem mais gosto. Fiz filosofia também, não sei se lhe disse. Ele é muito bom por chamar a atenção para nossa responsabilidade pessoal sobre nossas escolhas e ações subsequentes. Com ele não tem essa de foi Deus quem quis assim, foi a sorte, foram os outros os culpados. Se você fica debaixo da palmeira e ela cai sobre você, a culpa não é do raio que a atingiu, mas de você que resolveu estacionar lá. Ele é muito bom nesta perspectiva. Agora, claro: ele estava no mundo desenvolvido, onde todos têm (ou tinham) suas necessidades básicas resolvidas, ele podia levar este raciocínio ao extremo. Ortega chama a atenção para as “circunstâncias”, já que ele via a vida na perspectiva terceiromundista. Os dois se completam.

Tenha um bom dia e... abraço grande!

Ademir Costa

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