domingo, 9 de dezembro de 2007

SOLIDARIEDADE A DOM CAPPIO. DOIS BISPOS, DUAS VOZES SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO

ATO DE SOLIDARIEDADE

Terá caráter ecumênico a vigília de solidariedade à greve de fome de Dom Cappio pela revitalização do Rio São Francisco. Será dia 10 de dezembro. Começa às 18h30min, com o Seminário Direitos Humanos e Recursos Naturais, no auditório da Faculdade de História, na Av. da Universidade. O Ato Ecumênico será às 21h., na Praça da feira na Gentilândia, ao lado do Cefet Ceará, em Fortaleza.

POSIÇÕES DIVERGENTES DE DOM ALDO PAGOTTO E DE DOM LUIZ CAPPIO

Comentário

Na Igreja Católica, os bispos têm igual poder, individualmente. Cada um governa sua diocese com autonomia. O papa é o bispo de Roma e como tal tem jurisdição sobre os demais. Juntos os bispos podem tomar decisões sobre o destino da Igreja, em concílios e sínodos, sob obediência ao papa. No Brasil, a CNBB não dá ordem a um bispo em particular. Apenas tira orientações gerais que cada um cumpre do modo que julgar mais conveniente em sua área territorial (Diocese).

Aqui, Dom Aldo quis dar conselho a Dom Luiz. A meu ver, deveria ter ficado calado, para não entrar em contradição. Destaco apenas uma: recomenda que o colega não assuma posição técnica, embora ele assuma os pressupostos técnicos que embasam a posição a favor da transposição. A meu ver, Dom Cappio "arrasa" com argumento pastoral irrefutável, não técnico, da área religiosa. E quando Cappio fala de algo científico, menciona tecnologias já aprovadas pela Embrapa.

O bispo Cappio lança mão de fato histórico para justificar sua manifestação política: as reunião de bispos do Nordeste nos anos 1950, em Campina Grande. Empurrão que também ajudou a criar a Sudene. Vimos que em secas da década 1980 documento da CNBB ajudou a criar programas governamentais para a região. Mobilização de lá pra cá resultou na criação da ASA -- articulação da sociedade civil em favor do semi-árido, com forte influência em políticas governamentais. Os exemplos poderiam se multiplicar aqui.

Os bispos sempre fizeram política. Aqui e alhures. E continuam fazendo. O que é normal, diga-se. Uns a favor do sistema dominante. Outros em prol dos marginalizados.

Ademir Costa

Nota Carta do Presidente do Comitê Paraibano pela Integração das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco

João Pessoa (PB), 28 de novembro de 2007.

1 - Caro irmão Dom Luiz Flávio Cappio: Deus o ilumine e o proteja. Nossa vida a Deus pertence. Não temos o direito de tirá-la a qualquer título.

2 - O comportamento cristão leva-nos à coerência irreformável na defesa e promoção da vida.

3 - Por ocasião de sua primeira greve de fome, a Santa Sé lhe pediu, em carta que lhe foi entregue em mãos pelo Núncio Apostólico no Brasil, que desistisse dessa conduta.

4 - Diante da dádiva da vida, peço que você reveja a sua posição quanto à revitalização e à integração das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco, contempladas em uma obra que beneficia a doze milhões de nordestinos dos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco. O planejamento técnico-científico e a gestão administrativa e econômica da obra são de competência governamental através dos órgãos específicos. Não compete a nós bispos da Igreja intervir nesse mérito.

5 - Contudo, nós bispos e o povo da Paraíba e dos demais estados pleiteantes apoiamos a obra que favorece o desenvolvimento de nossas regiões do semi-árido, assoladas pelas estiagens inclementes. Quem tem sede apóia a obra!

6 - Peço que o caro irmão escute a voz do Espírito do Senhor que fala pelo clamor do povo sedento de água, de amor, de justiça e de paz.

Dom Aldo di CilloPagotto
Arcebispo Metropolitano da Paraíba
Presidente do Comitê Paraibano pela Integração das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco

Resposta de Dom Luiz Cappio a Dom Aldo Pagotto


Caro Dom Aldo,

Paz e Bem!

Recebi sua “Nota Carta” e, por respeito ao Sr. e pela oportunidade de esclarecer aos irmãos e irmãs paraibanos os significados de meu gesto, eu a respondo.

1- Concordo que nossa vida a Deus pertence e não temos o direito de tirá-la. Exatamente porque a minha não me pertence e sim a Deus, pois a ele já a entreguei há muito tempo, é que a ofereço pela vida de muitos. Não a estou tirando, apenas jejuo e rezo, como é da tradição bíblica e cristã, por tempo indeterminado, disposto a ir até o fim. Primeiro, direcionado a Deus, Senhor da Vida e da História, como sacrifício, para que Ele se compadeça de nós e mude o coração de homens cegados pelo poder e pelo dinheiro. Segundo, direcionado aos governantes deste país, como legítima forma de ação de um cidadão, esgotadas e infrutíferas todas as tentativas anteriores de amplos setores da sociedade fazerem-se ouvir e respeitar. É um gesto pessoal, mas de significado coletivo.

2- Se conhece a minha vida, sabe que meu comportamento atual não é nada mais que coerência irreformável com toda a minha trajetória de franciscano, padre e bispo a serviço da defesa e promoção da vida. Isso quis expressar em meu lema de bispo “Para que todos tenham vida” (Jo 10,10).

3- A Santa Sé, através do Núncio Apostólico, de fato me “pediu” que não lançasse mão do recurso da greve de fome. Tratou-se de apenas um “pedido”. Quanto à expressão “greve de fome”, usei-a da outra vez porque mais conhecida e por seu significado político. Desta vez, prefiro que seja “jejum e oração permanentes”.

4- Quanto ao projeto de transposição, o Sr. e outras lideranças esclarecidas que o defendem deveriam contar ao povo toda a verdade sobre esse projeto, suas reais finalidades, custos, mecanismos de cobrança pela água, traçados distantes dos sertões mais secos, interesses mercantis, etc, etc. Esse projeto não é solução, será mais problema. Continuar, a essa altura, insistindo no velho “discurso da seca”, pregando um “populismo hídrico”, a serviço da antiga “indústria da seca”, agora moderno “hidronegócio”, é um desserviço ao povo e uma perversão de nossa missão de pastores. O mérito aqui em questão não é técnico, é pastoral, pois “ovelhas” em risco cobram a solicitude do Bom Pastor. Foi assim que os bispos nordestinos, há quase 60 anos, com competência pastoral e apoio técnico, provocaram a criação da SUDENE.

5- O projeto de transposição não vai trazer verdadeiro desenvolvimento. A propaganda da irrigação no próprio Vale do São Francisco esconde a face dos danos sociais e ambientais e mesmo os sucessos econômicos são relativos, não é modelo a se propagar, precisa ser revisto urgentemente. Por que não fazem o mesmo empenho pelas 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e pelas mais de 140 tecnologias da ASA e da EMBRAPA? Essas, sim, são soluções reais e bem mais baratas, resolvem o déficit humano de água nas cidades e promovem o desenvolvimento apropriado às diversidades rurais do semi-árido, sem ônus ao já tão sofrido povo nordestino e ao meio ambiente.

6- A voz do Espírito do Senhor sopra aonde quer (cf. Jo 3,8) e no clamor do povo ele exige que sejamos “simples como as pombas e espertos como as serpentes” (Mt 10,16).

Aceite meu abraço, extensivo a todas as irmãs e irmãos paraibanos.

+ Luiz Flávio Cappio",

+ Luiz Flávio Cappio
Bispo da Diocese de Barra – BA
Site: http://www.umavidapelavida.com.br/
Sobradinho, 30 de novembro de 2007.
Festa de Santo André, mártir.

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