sábado, 15 de dezembro de 2007

Presidente Lula e Dom Cappio, na Roda Viva da História

Por
Paulo Maldos

Assessor político do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) 14.12.2007

Dom Luiz Flávio Cappio iniciou, há 17 dias, uma grevede fome pelo rio São Francisco, contra a transposiçãodesse imenso rio, em favor das comunidades que vivem no seu curso, ribeirinhos, pescadores, quilombolas,indígenas, em favor daqueles que sofrem com a sede nonordeste, em favor da natureza do semi-árido.Dom Cappio exige um debate nacional sobre um projeto que só privilegia o hidronegócio, o agronegócio e asgrandes empreiteiras e propõe como alternativa àtransposição um projeto também do governo Lula,gestado na (ANA) Agência Nacional de Águas, um projetoque respeita e valoriza o meio ambiente e que levariaágua a quem tem sede, não negócio.

O presidente Lula não realizou o debate prometido,cuja promessa encerrou a primeira greve de fome, eendureceu com Dom Cappio, afirmando que as obras com o Exército vão continuar, irreversíveis. Ou seja, paraLula, a morte de Dom Cappio é uma alternativa possívele aceitável.No entanto, ao redor do gesto radical do bispo, estáse formando uma corrente de solidariedade, de apoios, de alianças, de identificação ética, política, social,ideológica, cujos contornos são facilmenteidentificáveis: trata-se dos movimentos sociais,políticos, pelos direitos humanos, pastorais sociais,personalidades da Igreja Católica, da política, da cultura, que constituíram, desde os anos 80, Lula comoliderança de massa em nosso país. Este universosocial, político e cultural, de pessoas e movimentossociais tiveram, ao longo de mais de duas décadas, uma relação com Lula que foi como a da vela com a suachama: uma nutrindo-se da outra.

A luta e a perspectiva de vida ou de morte de DomCappio coloca esta antiga história numa encruzilhada:se Dom Cappio sobreviver, haverá continuidade, mesmo que mais conflitiva, devido ao lugar institucional hácinco anos ocupado por Lula; se Dom Cappio vier afalecer, será o final dessa história.Não será Dom Cappio apenas que morrerá, mas morrerá areferência política de Lula e do Partido dos Trabalhadores na história dos movimentos sociais doBrasil.Vivemos, tempos atrás, o final da ditadura, suadesconstituição simbólica a partir dos movimentossociais e sindicais, onde despontou o próprio sindicalista Lula como protagonista central; vivemos ofinal da Nova República como alternativa civil, com acontestação popular; vivemos a derrocada doaventureiro Collor e seu grupo com os movimentos sociais na rua, vestidos de preto; vivemos o fim do ciclo neoliberal tucano de Fernando Henrique Cardoso,com o repúdio nas urnas. Todos terminaram percebendo"um desprezo singular nos olhos do homem simples", como o protagonista central da peça Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda.

O percurso histórico de Lula lembra o percurso do próprio rio São Francisco: muitas fontes limpas no nascedouro, depois um trajeto acidentado, muitos entulhos, assoreamento e alianças contraditórias pelo caminho; a sedução do grande capital no seu curso final; o definhamento, como rio e como história política, sem chegar ao oceano da memória afetiva do povo brasileiro. A história da liderança popular de Lula será a história de um fracasso. A morte física de Dom Cappio sinalizará para a morte política de Lula.

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