domingo, 23 de dezembro de 2007

Jejum de Dom Cappio: Cobertura parcial da imprensa

Por
João Alfredo Telles Melo
Advogado, Professor de Direito Ambiental,
Consultor de Políticas Públicas do Greenpeace
Ex-deputado estadual, ex-deputado federal.
22.12.07

O jornalista Ademir Costa apóia esta manifestação.

Prezado Sr. Ombudsman do Jornal O Povo,

Reencaminho a essa seção do jornal - após três dias do primeiro envio - a carta que mandei ao editor de O Povo, com cópia para essa ouvidoria, o que faço pelas razões que se seguem:
1. Sou, há décadas, como dezenas de milhares de cearenses, leitor assíduo, assinante e, por vezes (como afirmei abaixo), colaborador de jornal O Povo, com artigos de opinião, versando sobre temas da conjuntura, em especial aqueles ligados ao meio ambiente, à questão agrária e aos direitos humanos. Portanto, não só como parlamentar, mas, como cidadão, eu diria que, modestamente, também faço parte da história desse jornal ocotgenário.
2. O respeito que O Povo adquiriu perante a sociedade cearense se dá em função de sua relação - que busca ser democrática - com os leitores e a população e se materializa na existência de seu conselhor de leitores e de sua ouvidoria (ombudsman), além, evidentemente do convite a pessoas estranhas à sua equipe para, democraticamente, expressar sua opinião, por vezes até divergente com o que defende O Povo. O exemplo maior são as enquetes das edições dos domingos.
3. No entanto, me permitar afirmar - aliás, repetir o que já asseverara na correspondência abaixo, já enviada ao jornal - que, no episódio da greve de fome (ou jejum, conforme se queira definir) de Dom Cappio em protesto contra a transposição, o jornal O Povo traiu sua própria conduta democrática e impediu que os seus leitores tivessem um painel completo das informações - e opiniões - acerca dessa questão que mobilizou a opinão pública nacional e até internacional.
4. Não nego que possa a empresa jornalística O Povo ter a sua própria opinião e, em editoriais (como efetivamente o fez, no caso da transposição), transmiti-la, de forma transparente, para o seu conjunto de leitores.
5. No entanto, negar aos seus leitores a totalidade das informações e divulgar em suas colunas e artigos de opinião praticamente uma única versão, uma única análise, uma única forma de pensar, não faz jus à história de jornal de Paulo Sarasate e Demócrito Rocha, que enfrentaram, muitas vezes, com valentia cívica, as tentativas de calar a voz da democracia e da cidadania.
6. Se algum estudante de jornalismo do Estado do Ceará se dispuser a fazer uma análise - tanto qualitativa, quanto quantitativa - da forma como o jornal O Povo (para não falar em outros veículos) cobriu essa questão, constatará um profundo e brutal desequilíbrio no tratamento da matéria.
7. A única exceção, nesse período recente, foi o artigo do Padre Maurício, da CPT, que praticamente desapareceu face à inundação não só de uma série de outros artigos - quase diários - defendendo a transposição e desqualificando a conduta do bispo franciscano.
8. Isso para não falar nas colunas (Concidadania, Política, Vertical S/A etc.), algumas delas carregadas de profundo preconceito, culminando com uma enquete no domingo passado, em que não se veiculou - dentre todos os convidados - uma única opinião contrária à posição oficial do jornal O Povo.
9. O prejuízo dessa conduta do jornal no aspecto da informação é brutal: o senso comum - amplamente, cotidinianamente, contumazmente divulgado - de que as águas do São Francisco virão resolver o problema da sede do nosso sertanejo, ensejou articulistas a cometerem erros primários, quando um deles, se referindo aos pedintes da estrada de Canindé, sugeria que a transposição resolveria esse problema.
10. Mal sabe ele (creio na sua boa fé), advogado conceituado e professor reconhecido, que as águas do Velho Chico passarão a centenas de quilômetros não só de Canindé, mas de todas as áreas mais secas de nosso Estado (Inhamuns, Sertão Central, Sertão de Cratéus, Zona Norte etc. etc. etc.).
11. Aliás, se o jornal tivesse dado um tratamento mais adequando, ficaríamos sabendo que a transposição se volta a beneficiar apenas 5% da chamada população difusa, ou seja, nossos camponeses do sertão do semi-árido.
12. Bastaria, como disse abaixo, conhecer o caminho das águas para constatar que o seu objetivo não é beneficiar a população que hoje sofre com a falta dágua, dependendo do velho e insalubre recurso do carro-pipa.
13. O ápice dessa postura - que desinforma e procura desqualificar as opiniões contrárias - se deu na coluna Vertical S/A, de ontem, 21 de dezembro, não à toa denominada "Esses ambientalistas", em que o articulista, se valendo de uma carta de outro jornalista, derrama sobre nós uma carga absurda de informações duvidosas e opiniões desrespeitosas e preconceituosas, que talvez nem sequer merecesse uma resposta deste - e de outros - "ambientalistas" (essa "raça" que, na velha - e se pensava - ultrapassada - opinião de uma elite obtusa - "atrapalha" o desenvolvimento).
14. Que a fonte primária do articulista de O Povo desconheça a existência de um canal que liga as águas do Castanhão - a grande caixa de acumulação para as águas do São Francisco - ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém, seria compreensível. Mas, que ele, como cearense, divulgue essa falsa informação (de que a transposição nada tem a ver com a siderúrgica e outros empreendimentos do Pecém) é que é muito grave.
15. Os empreendimentos que se projetam para o Pecém - uma siderúrgica e duas termelétricas, pelo menos - por serem extremamente consumidores de água e energia, não se viabilizariam, com certeza, sem as águas da transposição.
16. Por que, então, utilizar a imagem - que sensibiliza - do sertanejo sofrido de nosso semi-árido - para justificar um empreendimento que está dentro da lógica do grande capital, seja o siderúrgico, seja o termo-energético, seja o da agricultura - e carcinicultura - de exportação, seja, finalmente das grandes empreiteiras, interessadas na obra?
16. Por que o jornal não divulga que as propostas de um órgão do próprio governo - que é a Agência Nacional de Àguas (ANA) - acrescidas à proposta de 1 milhão de cisternas de placa, da Articulação do Semi-Árido (ASA) - assumidas por Dom Cappio, têm o condão de resolver, sem precisar da transposição, o deficit hídrico do abastecimento urbano e interiorano do semi-árido?
17. Por que não dizer que essas obras custarão praticamente a metade dos gastos com a transposição e poderão beneficiar até o quádruplo de pessoas que o governo diz que serão atendidas com as águas transpostas do São Francisco?
18. Ou, então, que o governo e o jornal afirmem - de forma clara, aberta, transparente - que querem a transposição para garantir a implantação desses empreendimentos e atividades - que, por sinal, são extremamente impactantes ao meio ambiente, sem, repito, dizer que estão combatendo a "indústria da seca".
19. É isso que reclamo do jornal: INFORMAÇÃO, DEBATE, CONTRADITÓRIO, TRANSPARÊNCIA, DEMOCRACIA.

Atenciosamente,

João Alfredo Telles Melo
advogado, professor, consultor do Greenpeace


PRIMEIRO TEXTO DE JOÃO ALFREDO TELLES AO JORNAL O POVO
19.12.07

Sr. Editor,
Na qualidade de leitor assíduo, assinante e eventual colaborador de O Povo, gostaria de manifestar a minha crítica da forma como vêm sendo abordados pelo jornal tanto a questão da transposição do Rio São Francisco, como do jejum de Dom Luis Cappio. Não fora o artigo publicado hoje, de autoria do Padre Mauricio, da CPT, teríamos a falsa idéia de que Dom Cappio se encontra totalmente isolado em sua posição. Intelecutais de porte de um Fábio Konder Comparato ou Maria Victoria Benevides; prelados e religiosos da expressão de um Leonardo Boff, um Pedro Casaldaliga ou um Tomás Balduino; ou mesmo um nobel da paz, como Adolo Pérez Esquivel (isso para não falar de diversos movimentos sociais e ambientalistas de todo o Brasil) desautorizam o falso conceito de que o gesto do frei franciscano não encontra eco na sociedade.

Aliás, dentre os ataques injustos que têm sido desferidos a Dom Cappio, está o de que ele seria contra o atendimento das necessidades de água do Nordeste Setentrional, onde se encontra nosso Estado do Ceará. Nada mais falso: ao propugnar pelo cumprimento das obras constantes do Atlas da Agência Nacional de Águas (ANA) - que busca garantir o abastecimento de água em todas as cidades da região do semi-árido - e da proposta de 1 milhão de cisternas de placa, da Articulação do Semi-Árido (ASA) - voltadas para a população rural, Dom Cappio demonstra que há alternativas mais abrangentes, mais eficazes, mais baratas e menos impactantes do que as obras da transposição. No caso do Ceará, o discurso oficial - que está quase se transformando em "pensamento único" - de que as águas do Velho Chico virão para atender as populações mais atingidas pelas secas, cai por terra ao simples conhecimento do caminho das águas. Nem os Inhamuns, nem o Sertão Central, nem a região de Crateús ou de Irauçuba seriam beneficiadas por essa obra.

O que é preciso ser dito - e não está sendo divulgado - é que a maior parte das águas - que se armazenarão no Castanhão - serão transferidas pelo Canal da Integração (também conhecido como Eixão) para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Não é à toa que os principais empreendimentos ali projetados - uma siderúrgica e duas termelétricas, que , além de extremamente poluentes, são consumidores vorazes de água e energia - não se viabilizariam sem as águas da transposição.

É esse debate que nós queremos ver nas páginas de O Povo, um jornal que alcançou reconhecimento em seus 80 anos de vida, pelo seu espírito democrático e progressista.

Atenciosamente,

João Alfredo Telles Melo
advogado, professor, consultor do Greenpeace

2 comentários:

  1. Será que não tem outra maneira mais eficiente e mais barata de ajudar a resolver o problema da seca do que desviar um rio?

    Parabéns pelo blog, Ademir!

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  2. PArabéns pelas publicações no Blog, Ademir.

    Segue um pequeno poema inspirado nos conteúdos do seu Blog e que deixei como mensagem de apoio no site de Dom Cappio:

    Fale Frei Cappio, fale a Vida

    Fala a teia da vida, a alma do Planeta,
    Fala a alma do Nordestino, a cada fala do Frei.
    Enquanto fala o olho egoísta, dos papéis investidos
    Do lucro rápido e fácio, à cegueira dos malefícios,
    A Grande imprensa paga pelos anúncios financistas, pelos dinheiros malditos.

    Assim segue Canudos sua sina em plena "Democracia"
    Sem que haja, no entanto, Democracia Plena
    Em papéis invertidos, quando a vontade do povo,
    Nas mãos de "representantes", nunca lhe vira lei.
    Sendo sempre o povão quem paga, vaga e pena,
    Enquanto a gana de uma minoria se lhe impõe como um rei.
    Entre o egoísmo e a coletividade,
    O individualismo e a solidariedade,
    Quem ganhará a eterna Guerra,
    Do bem contra a maldade,
    do ter mais que o Ser, do consumir/exaurir contra o (con)(sobre)viver?

    Que fale a voz do povo explorado em Frei Cappio, Beto e Bofff, em Sabatella, Comparato, Casaldaliga e Zé Celso,
    Reverberando em vozes sem fim
    Como reverberaram as vozes de Gandhi, Cristo, Zumbi, Conselheiro e do grande Martin Luther King.


    --
    __________________
    Denis Moura de Lima
    Analista de Tecnologia do BNB
    Tecnólogo em Telemática
    http://denismoura.blogspot.com/

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