segunda-feira, 6 de abril de 2009

Agressão na Justiça contra a missionária Maria Amélia e a Missão Tremembé

Aqui o relato da investida contra os direitos indígenas, nas palavras de Maria Amélia, coordenadora da Associação Missão Tremembé (Amit). Está havendo mobilização de quem conhece e acompanha o trabalho de mais de 30 anos de Maria Amélia a favor dos direitos dos indígenas cearenses. Todos perplexos com essa agressão. Todos confiantes de que a violência não prevalecerá.
O relato:


Fortaleza, 04 de abril de 2009

Amigas, Amigos,

Parece que a "bruxa" está solta mesmo. Alguns de vocês já me enviaram mensagem de solidariedade por conta da notícia transmitida pelo Dr. Geovani Tavares, através da Rede de Advogados Populares, transcrita no Forcema, pelo Arnaldo. Agradeço de coração essa comunicação de vocês.

Desculpem de não ter enviado esta notícia com algumas informações para que possam entender o que está acontecendo. Não o fiz por conta da dificuldade de funcionamento da internet no nosso computador (não pude pagar a conta do mês passado e por isso estamos neste impasse). Na semana anterior foi a memória que não estava funcionado. Nunca imaginei que até nos complementos do computador nos enganem com peças genéricas e por isso, quando menos a gente espera, dão o prego...

Pois bem, a história dessas Ações - são duas: uma contra mim, pessoalmente, e outra contra a AMIT. É bom que eu conte a origem dessa maquinação violenta contra nós mas sobretudo contra os povos indígenas. A proposta é anular o processo de demarcação da terra Tremembé Córrego João Pereira e restaurar nessa área o assentamento que existiu lá, com os assentados e os posseiros que então ocupavam a dita terra. Que imaginação ! Certamente que não se limitará a isso mas impedir que as terras indígenas sejam demarcadas e livres no Ceará. É tanto que o advogado faz referência a um documento de 1850, no Espírito Santo, determinando a extinção dos aldeamentos indígenas no Ceará.

No ano de 1850 é que foi editada a conhecida "Lei de Terras" e somente depois, nos anos seguintes, começaram a ocorrer esses decretos pelas Assembléias Legislativas Provinciais, extinguindo os aldeamentos (no Ceará foi em 1863). Com o advento da Constituição de 1988 esses decretos, em todo o Nordeste, ficaram invalidados. Esses Povos existem, ESTÃO VIVOS!.

No ano de 2001 foi demarcada a terra dos Tremembé Córrego João Pereira e no ano seguinte, homologada pelo Presidente da República. Era advogado do posseiro Francisco de Assis, o Dr. Djalro Dutra que chegou a ser, inclusive, advogado contra os Tapeba, Pitaguary, Tremembé de Almofala. Não sei se chegou a ser também contra no processo de demarcação da terra Jenipapo Kanindé.

Ele conseguiu envolver de tal sorte um grupo de famílias Tremembé no Córrego, cujas lideranças assumiram durante um certo tempo toda a luta pela terra, a ponto de jogar uns contra os outros e, infelizmente, isso nunca ficou claro.

Então ele maquinou uma ação incrível: editou um filme em Almofala, em agosto ou setembro de 2002, juntou todos que conseguiu fazer expressar denuncias violentas contra os próprios Tremembé de Almofala e Córrego (sempre na linha de afirmarem que lá nunca teve índios e fui eu que os manipulei para se apresentarem como indígenas etc.). No Córrego a terra estava desapropriada pelo INCRA, apesar das tentativas dos Tremembé afirmarem a sua identidade, a sua história, o processo de destruição de que foram vítimas ao longo dos anos. São originários de Almofala e sofreram muito no constante processo de migração na região, até Itapipoca.

O filme é cruel, inclusive contra os próprios indígenas com quem partilhamos anos de muita luta por sua identidade étnica. O Professor Gerson Junior tem informações importantes da presença dos Tremembé de Almofala. Eram convidados para as grandes festas e comemorações nessa região, pelos políticos e pela Igreja, há muitos anos, muitos anos atrás. Como não existiam?

Vale a pena conhecer esse DVD para se ter idéia do que é possível fazer contra os direitos dos povos indígenas; como é possível reverter ações solidárias e transformá-las em corrupção, em manipulação; e se aproveitar da singeleza desses povos, de lideranças e pessoas simples e utilizá-los a seu favor, no interesse de seus propósitos, etc.

Nós sabíamos desse filme e fomos de uma infantilidade grande não tentando enfrentar as acusações que contém, reverter a situação antes de um mal maior. Lamentavelmente. Foi uma falha nossa, muito grande.

Agora, no contexto nacional, atual, rico de acusações mis contra os indígenas, suas terras, seus direitos constitucionais, em setembro passado, o advogado transcreveu o DVD (filme) e transformou os depoimentos registrados, em uma Ação Popular promovida por cinco pessoas de Almofala, alguns posseiros dentro da terra Tremembé. Nós ainda vamos conferir esses nomes na lista de Laudos de Avaliação, constante do processo demarcatório dos Tremembé de Almofala.

A Ação é também contra o INCRA, a FUNAI e a AGU: "DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATOS LESIVOS AO PATRIMONIO PÚBLICO, À MORALIDADE ADMINISTRATIVA, AO INTERESSE SOCIAL E À COLETIVIDADE EM GERAL". Os argumentos da Ação atacam principalmente o meu trabalho, em que sou acusada de CORRUPÇÃO E MANIPULAÇÃO. Alegam que houve fraude no processo de desapropriação para a Reforma Agrária, que pertence ao INCRA. E também no processo demarcatório através da FUNAI, do GT que realizou os estudos fundiários no Córrego.

Esse tipo de Ação, na verdade, está sendo utilizado contra vários companheiros nossos, e também noutros Estados, no Nordeste, no Brasil. É a grande chance para impedimento das lutas populares, das lutas solidárias em favor da terra, na defesa da natureza, na defesa da vida e, sobretudo, no amedrontamento de lideranças para nos encolher, nos enfraquecer. Todos nós sabemos disso. Por outro lado, um grande momento de maior luta, ampliação dos apoiadores, e muitas coisas bonitas e valiosas para todos nós que acreditamos num mundo de igualdade e de justiça para TODOS.

O tempo é importante - estamos no caminho da Páscoa. Tempo de penitência e de muita luz. Fico feliz das mensagens de vocês, amigos de lutas e de muito carinho. Juntos, somos capazes de enfrentar, com a força do nosso Deus e dos Encantados dos Ancestrais dos Povos Indígenas, qualquer dificuldade, qualquer tentativa de morte dos nossos sonhos, da nossa luta maior pela vida, pela libertação.

Se puder enviar esta nota para nossos amigos, batalhadores dessa luta comum, façam isso, por favor. Não consigo ainda desenvolver bem esse trabalho através da internet e estou sem poder manter os jovens que nos têm ajudado no envio de noticias pela “Rede de Amigas e Amigos” que temos encaminhado nesses meses. Agradeço muito, desde já.

Até à Vitória, já diz o Arnaldo !

Um abraço, Maria Amélia

Um comentário:

  1. Jornalista Ademir Costa:
    Estamos procurando informaçõess sobre amiga Maria Amélia, dos anos 60, quando nos conhecemos.Hoje sabemos apenas que vive na luta em defesa dos índios.Queremos saber se Maria Amélia é a mesma que esteve aqui=Natal,naquele período, visando organizar ACO - Ação Católica Operária. Caso Você tenha confirmação, poderia, por favor - enviar email
    dela? Muito Agradeço a Sua atenção. Aqui - Seu colega Jornalista - arlindo freire.

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