sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Os Modelos Chinês e Indiano Podem Ser Referências para O Brasil?

Por
José Lemos
Professor Associado da Universidade Federal do Ceará.
lemos@ufc.br.


Muito se tem falado, escrito e lido acerca das maravilhas que representam os padrões de crescimento econômico da China e da Índia. A China com taxas médias anuais de crescimento superiores a 8% (como aquelas do Brasil do final dos anos sessenta e inicio dos anos setenta, na época do “Milagre Brasileiro”), e a Índia com crescimento mais modesto, mas também expressivo e que vem se sustentando neste começo de milênio.

Gostaria de fazer uma digressão sobre esta temática, até para que se possam fazer reflexões acerca da sua utilidade para ser aplicada totalmente, em parte ou ser refutada para o caso brasileiro. Para isso temos que recorrer aos conceitos envolvidos e que consistem na distinção entre “crescimento e desenvolvimento econômico”. Para tanto, busquemos uma citação de dois economistas asiáticos (Singer & Ansari) que, em 1979, escreveram o seguinte: “Desenvolvimento econômico não quer dizer simplesmente aumento do PIB de um país, mas diminuição da pobreza a um nível individual. Provavelmente os melhores indicadores de pobreza sejam o baixo consumo de alimentos e o elevado desemprego. Se estes problemas forem resolvidos de maneira adequada, junto com o crescimento do PIB e com uma distribuição de renda eqüitativa, ai sim, poder-se-á falar num genuíno desenvolvimento econômico”.

No Relatório de Desenvolvimento Humano de 1994, a ONU faz a seguinte citação, para justificar o conceito de desenvolvimento humano que criou em 1990: “A riqueza é importante para a vida humana. Contudo, centrar as atenções apenas neste indicador é incorreto porque a acumulação de riqueza não é necessária para o preenchimento de algumas das escolhas do ser humano. Com efeito, os indivíduos e a sociedade fazem muitas escolhas que não precisam de riqueza para concretizá-las. Uma sociedade não precisa ser rica para está habilitada a uma vida democrática. Uma família não precisa ser rica para respeitar os direitos de cada um dos seus membros. Uma nação não precisa ser rica para tratar homens e mulheres de forma eqüitativa. Tradições sociais e culturais, de grande valor, podem ser mantidas, e efetivamente o são, em todos os níveis de renda. A riqueza de uma cultura pode ser independente da riqueza material do seu povo”.

Destas duas citações depreende-se que o crescimento do PIB é uma condição necessária, mas não suficiente para que haja desenvolvimento econômico. O mero crescimento da riqueza não se traduzirá, necessariamente, em elevação de padrões de bem-estar social de um país. Há a necessidade de conquistar, além da riqueza, ativos sociais, ambientais e culturais para elevar o padrão de qualidade de vida.

Vejamos o que está acontecendo na China e na Índia. Na nova versão do meu livro “Mapa da Exclusão Social: radiografia de um país assimetricamente pobre” incorporei um tópico onde faço estimativas dos padrões de exclusão social nos países menos desenvolvidos (como a ONU os identifica). Isto foi feito para preencher uma lacuna que nos parece ser deixada pelo IDH, que não quantifica o percentual de incluídos ou de excluídos em padrões de desenvolvimento humano. Também foi uma tentativa de complementar o Índice de Pobreza Humana (Human Poverty Index) que a ONU divulgou pela primeira vez em 1997, que também tem dificuldades de aferição, como discuto com detalhes no livro.

Feitos estes esclarecimentos, o Índice de Exclusão Social (IES) estimado para a China é de 31,88%, ou seja, este é o percentual aproximado (porque é estimado indiretamente através de relações matemáticas entre o IES e o IDH igualmente mostradas no livro) da população chinesa que não tem acesso a serviços essenciais (água tratada, saneamento adequado, coleta sistemática de lixo), é analfabeta e tem renda per capita diária igual ou inferior a um dólar americano.

Para a Índia, o IES estimado é de 62,95%. As populações da China e da Índia, em 2004, eram de respectivamente 1,308 bilhão e 1,09 bilhão. Isto significa que os excluídos da China chegam a 417 milhões e os da Índia somam 686 milhões. Estas evidências permitem-nos inferir que as elevadas taxas de crescimento dos produtos agregados desses dois países não têm conseguido inserir, de forma substantiva, um contingente elevado das respectivas populações. Além disso, o modelo chinês de crescimento tem um elevado passivo ambiental. China e Estados Unidos são, no presente, os maiores poluidores do planeta. Queremos algo assim para o Brasil?

Publicado simultaneamente em O Imparcial, de São Luís, Maranhão, em 19.01.2008.

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