sexta-feira, 11 de abril de 2008

A BUSCA DA RIQUEZA MATERIAL OU DE BENS IMATERIAIS: TER OU SER?

Por

José Lemos

Doutor e Pós-Doutor em Economia Rural e Ambiental pela University of Califórnia, Riverside, USA.

Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.

lemos@ufc.br.


O último artigo de Leonardo Boff, que o Jornal “O Povo” de Fortaleza reproduz às sextas-feiras, cujo titulo instigante era “Quanto custa um pôr do sol?”, serve para refletir mais ainda acerca do mundo em que vivemos, e sobre a sociedade que construímos. A pergunta, segundo Boff, teria sido feita por um filho que foi convidado pelo pai americano, muito rico, para assistir a um pôr de sol nas Colinas de Castelgandolfo, em Roma.


Vivemos num mundo em que quase tudo se tornou mercantilizado. Até as relações pessoais passaram a ter a conotação de negócios rentáveis. Muitas pessoas, ao decidirem partilhar vida com outro(a), antes de qualquer decisão mais açodada ancorada em paixões e amores, fazem as contas dos bens materiais possuídos por cada parceiro e o que poderão amealhar quando estiverem juntos. Assim, fica assegurado previamente, que, havendo o provável desenlace no relacionamento, a partilha de bens já está garantida, independentemente dos estragos que a separação possa provocar nas emoções e nos sentimentos de ambos.


Há pessoas que passam todo o seu tempo arquitetando como agregar mais poder e mais riqueza ao seu patrimônio. Para atingir esses objetivos, não vislumbram limites éticos ou de qualquer ordem. Todos os meios justificam os fins, que são os incrementos de mais poder e mais riqueza. Para tanto, são capazes de caluniar desafetos, de bajular, e de estar sempre perto de quem detém poder, para tirar algum proveito. Impregnam-se como parasitas sugadoras na fonte poderosa da ocasião, fazem tudo para agradá-la, para, a partir desses mimos, conseguirem os seus próprios objetivos que são ter mais riqueza e, claro, acesso ao poder. Por essas vias constroem impérios e hostilizam aqueles que não pactuam dos seus métodos, ou que interpuserem-se nos projetos pessoais de grandeza ilimitada.


A propósito, no Relatório de 1994 da Organização das Nações Unidas (ONU), encontramos seguinte passagem: “a acumulação de riqueza não é necessária para o preenchimento de algumas das escolhas do ser humano... Os indivíduos e a sociedade fazem muitas escolhas que não precisam da riqueza para concretizá-las. Uma sociedade não precisa ser rica para estar habilitada a um vida democrática. Uma família não precisa ser rica para respeitar os direitos de cada um dos seus membros. Uma Nação não precisa ser rica para tratar homens e mulheres de forma eqüitativa. Tradições sociais e culturais, de grande valor, podem ser mantidas, e efetivamente o são, em todos os níveis de renda. A riqueza de uma cultura pode ser independente da riqueza material do seu povo.”


No livro, “O Ponto de Mutação”, Capra assegura que a busca incessante da riqueza induz as pessoas a extrapolarem princípios éticos e a solaparem direitos alheios. A riqueza representa uma maior capacidade de consumo e de manipulação de todos os ativos, inclusive os morais. A obsessão de poder e de ter faz as pessoas acreditarem que estão acima das leis e dos fundamentos da convivência social. Cultuam a personalidade, chegam a imaginar que podem estender esse culto para além desta vida. Pessoas que tem o poder e a riqueza como projetos de vida, em geral, não definem limites para as suas megalomanias.


A sociedade de consumo contribui para isso ao reverenciar o ter e ao negligenciar o ser. São de menos importância a posse do conhecimento cientifico, a sabedoria popular, a contemplação de belezas naturais, o canto livre dos pássaros, a simplicidade do aroma da chuva agindo como “alcoviteira” para que a terra possa ser penetrada, fecundada, emprenhada e parir rebentos. Não é reconhecida, porque não rende dinheiro, a convivência respeitosa com animais e plantas. Destruí-los e fazer lucro com eles é mais interessante. É ultrapassado ter alguém para amar, partilhar angústias e alegrias, movido apenas pelo sentimento do companheirismo e não das posses materiais. Mas estes são prazeres que a busca obsessiva da riqueza material e do poder destroem. Ricos e poderosos não têm tempo para usufruir a riqueza amealhada. Agregam fortunas, poder, morrem e deixam herdeiros engalfinhando-se pelo espólio que acumularam em vida, quase sempre, à custa de muito sofrimento e dor de terceiros. Mas impõem com o dinheiro, ferro e sangue alheios os seus nomes em ruas, fachadas de prédios públicos, avenidas, praças e em mausoléus suntuosos, onde esperam jazer e ser reverenciados depois de mortos. São verdadeiros estorvos sociais, mas conseguem influenciar pessoas e por isso se dão bem. Ao seu modo, evidentemente.

Publicação simultânea em O Imparcial, de São Luís (MA), 12.04.08

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