sábado, 28 de março de 2009

Bispos Franceses Falam sobre Excomunhão em Recife

Seguem 4 documentos assinados por bispos católicos de dioceses francesas. Em todas eles, respeito e solidariedade para com mãe e filha. Eis posições mais conforme o Evangelho, expostas por membros da hierarquia da Igreja. Ademir Costa

Documento 1

Carta aberta de Dom Daucourt, bispo de Nanterre, a Dom Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife

Dom Gérard Daucourt, bispo de Nanterre, na França, publicou uma carta aberta a Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou a mãe de uma menina de nove anos, grávida de gêmeos por causa de um estupro, e os médicos que realizaram o seu aborto. Segundo Dom Daucourt, Dom Sobrinho "acrescentou dor acima de dor e provocou sofrimento e escândalo em muitas pessoas em todo o mundo".
O texto foi publicado no sítio La Croix.com, 12-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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Monsenhor,
Recentemente, o senhor quis declarar publicamente a excomunhão de uma mãe de família. Que tinha feito a sua filha de nove anos, grávida de quatro meses, abortar depois de ter sido estuprada desde os seis anos pelo seu padrasto. O senhor também decidiu publicamente a excomunhão dos médicos que realizaram esse aborto. Reajo publicamente à sua intervenção com esta carta aberta.

Asseguro-lhe desde já: para mim, o aborto é a supressão de uma vida. Sou, portanto, firmemente contrário a ele.

A mãe dessa menina talvez pensou que fosse melhor salvar uma vida do que arriscar a perder três... Talvez, os médicos lhe haviam dito que um pequeno útero de nove anos não se dilata infinitamente... Eu não sei. O que sei é que, nessa tragédia, o senhor acrescentou dor acima de dor e provocou sofrimento e escândalo em muitas pessoas em todo o mundo.

Em uma situação tão dramática, eu acredito firmemente que nós, bispos, pastores na Igreja, devemos, sobretudo, manifestar a bondade de Jesus Cristo, o único e verdadeiro Bom Pastor. Estou certo que o senhor ama essa mãe e que busca homens e mulheres que possam ajudá-la a prosseguir o caminho, sentindo-se amparada em amizade, espiritual e, se necessário, materialmente.

Estou certo de que o senhor quer dar amor a essa menina, marcada para a vida, e à irmã mais velha, deficiente, também ela estuprada. Estou certo que o senhor pediu à administração da prisão para se aproximar do padrasto estuprador para que ele se arrependa, se converta e volte a ser um dia um homem autêntico. Estou certo de que Cristo estima que, se for possível, o senhor fale com os médicos que realizaram esse aborto para que, como os 40 ginecologistas e obstetras que eu encontrei há alguns meses e com os quais não compartilhava todas as posições, a maior parte deles aprecia ser escutado e ouvir pontos de vista diferentes, já que muitas vezes vivem dramas de consciência.

Monsenhor, ajudemo-nos uns aos outros para ser, antes de tudo, homens de esperança em Deus e em todo ser humano!

Tenho relações de amizade e de colaboração com muitos evangélicos que são contrários, como o senhor e eu, ao aborto. Mas não proclamam condenações públicas. Talvez, é uma das razões pelas quais as comunidades evangélicas atraem hoje tantos católicos, particularmente no Brasil. Constato que a opinião pública não entende nada de excomunhão. Ela a percebe como uma condenação das pessoas e não uma proposta de cura e de conversão.

Considero que devemos encontrar outros meios para dizer às nossas comunidades que o comportamento ou as palavras de certos católicos não estão de acordo com o que a Igreja pretende e crê que seja a vontade de Deus.

Não lhe escondo nem que me pergunto também como se pode dizer que o estupro é menos grave do que o aborto que suprime a vida no ventre de uma mãe. Mulheres estupradas se confiaram a mim. Algumas puderam resolver-se e avançar na vida com a lembrança das suas feridas que nunca desaparece completamente. Mas outras, mesmo estando vivas fisicamente, foram mortas no mais profundo do seu ser e não conseguem mais viver. A vida não é apenas física, o senhor bem o sabe.

Não pude obter o texto completo do que o Cardeal Re disse, mas o apoio que – segundo a imprensa – ele lhe deu não muda em nada a minha reação pastoral. Para a clareza das relações entre bispos, envio uma cópia desta carta ao Cardeal Re.

Saúdo-lhe com tristeza, mas também com sentimentos respeitosamente fraternos, assegurando-lhe a minha oração pelo senhor e por aqueles que, de qualquer maneira, foram implicados no drama dessa menina.

Gérard Daucourt
Bispo de Nanterre, França
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=20663

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Documento 2
Excomunhão. Francis Deniau, bispo de la Nièvre, França, critica arcebispo brasileiro.

"Eu devo dizer ao meu irmão, o bispo de Recife – e ao cardeal que o apoiou – que eu não entendo sua intervenção. Diante de tal drama, diante da ferida de uma criança violada e incapaz, mesmo fisicamente, de levar a termo uma gravidez, havia outra coisa a dizer, e, sobretudo questões a se colocar: como acompanhar, encorajar, permitir sair do horror, reencontrar seu gosto pela vida? Como ajudar a filha e a mãe a se reconstruir?", escreve Francis Deniau, bispo de la Nièvre, França, em artigo que repercutiu internacionalmente.

Eis o artigo.

Fiquei sabendo, como todo o mundo, que a mãe de uma filha de nove anos, grávida de seu padrasto, tinha sido excomungada por seu bispo no Brasil, junto com a equipe médica que procedera ao abortamento de sua filha. Como bispo, eu sou solidário de todos os bispos do mundo. A solidariedade impõe dizer os desacordos pessoais, senão ela não seria cumplicidade. Eu devo dizer ao meu irmão, o bispo de Recife – e ao cardeal que o apoiou – que eu não entendo sua intervenção. Diante de tal drama, diante da ferida de uma criança violada e incapaz, mesmo fisicamente, de levar a termo uma gravidez, havia outra coisa a dizer, e, sobretudo questões a se colocar: como acompanhar, encorajar, permitir sair do horror, reencontrar seu gosto pela vida? Como ajudar a filha e a mãe a se reconstruir? Nós balbuciamos, sobretudo nós homens, e devemos contar com as mulheres para estar lá com mais presença do que com palavras. Mas, palavras de condenação, um apelo à lei, por mais justa que seja: isto é o que não se deve fazer.

Jesus teria dito que a moral é feita para o homem e não o homem para a moral. Ele denunciou a hipocrisia daqueles que impõem pesados fardos sobre os ombros dos outros.

Eu confesso que acompanhei mulheres antes e após uma IVG. Eu creio que a Igreja católica assume sua responsabilidade social insistindo, a tempo e contratempo, no respeito à vida humana “desde a concepção até a morte natural”. Nós faltaríamos à nossa responsabilidade calando tal apelo, que expressa a defesa dos mais pequenos e mais frágeis. Depois disso, trata-se de acompanhar cada pessoa, em situações em que eu não gostaria de estar, e onde cada qual procura fazer o melhor que ele ou ela pode. Deus nos chama a decisões que podem ser exigentes, mas antes ele nos envolve com sua ternura, e ele nos acolhe nas obscuridades e nos dramas da vida. Eu espero dos homens de Igreja, meus irmãos, que eles não utilizem seu nome para condenar pessoas ou encerrá-las em sua culpabilidade.

Francis Deniau, bispo de la Nièvre

http://unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=20631

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Documento 3

Comunicado de Dom Norbert Turini
Cahors, quarta-feira 11 março de 2009
Fonte : site da diocese de Cahors (França)

Após uma série de numerosas reações a respeito da menina brasileira de 9 anos, do aborto por que passou e da excomunhão que seguiu, D. Turini dá seu ponto de vista.

"Uma menina brasileira de nove anos violentada e grávida de gêmeos, uma mãe atormentada, uma condenação, e uma « excomunhão » ! A opinião pública reagiu, e eu compreendo sua emoção. Por que não guardar o silêncio diante de tal tragédia ?

Por que acrescentar severidade a tanto sofrimento ? Muitas pessoa se questionam sobre isso. Defendo e defenderei sempre a dignidade e o respeito à vida desde sua origem até o seu termo, e creio que em todas as circunstâncias a atitude da Igreja deve tirar sua legitimidade da atitude do Cristo. Assim sendo, o amor e a misericórdia devem sempre falar mais forte, conforme os evangelhos, do que a condenação e a exclusão. Basta abrir os evangelhos para se convencer disso !

Qual será o futuro dessa mulher, dessa menininha, após tal decisão [ a excomunhão lançada] ? Quem vai acompnhá-las ? Em consciência e por fidelidade à Boa Nova devemos nos interrogar a respeito. Por ora, gostaria de dizer a essa mulher e à sua filha que elas são e sempre serão amadas pelo Deus de Jesus Cristo que nós chamamos de Pai Nosso.

+Norbert TURINI, bispo de Cahors

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DOCUMENTO N. 4

Comunicado da Missão de França
Paris, quarta-feira 11 de março de 2009
Fonte : Missão de França

O bispo da Missão de França e seu Conselho associam-se aos protestos de numerosos católicos contra a decisão do arcebispo de Recife, no Brasil, de excomungar uma mãe e dos médicos que tomaram a decisão pelo aborto de uma menininha de 9 anos violentada por seu padrasto.

É certo que o aborto é um ato mortífero ; ele inscreve na carne da quelas que por ele passaram ferimentos que talvez nunca terminem. Mas como é que se pode, diante de tal drama, a Igreja se manifeste para julgar e condenar, e não para manifestar sua compaixão e ajudar as pessoas envolvidas a se reconduzirem para a vida ? Como e por que ignorar a prática pastoral da Igreja católica que é a de ouvir as pessoas em dificuldade, de acompanhá-las e, em matéria de moral. de levar em conta « o mal menor », particularmente em situações dramáticas e em casos extremos ? Quando se invoca a « lei de Deus», como esquecer a ternura de Jesus : « sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso » ? Essa decisão abrupta de excomungar é inaceitável.

Ela não leva em conta nem o drama vivido nem o risco físico e moral que a menina estava correndo. Queremos dizer com todas as nossa forças, neste mundo tão sofrido, que é preciso que façamos surgir atitudes de esperança, em vez de se fechar em condenações que são traições dos caminhos compassivos do amor misericordioso.

A todos os que estão perturbados por tal medida [de excomunhão], queremos dizer com firmeza que não nos reconhecemos nela, e requeremos que ela seja suprimida o mais rapidamente possível.

Dom Yves Patenôtre, bispo da Missão de França e seu Conselho.

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