José Lemos*
São Luis é a única capital brasileira fundada por franceses.
Neste oito de setembro completará
quatrocentos anos. Uma cidade que tem uma arquitetura belíssima. Casarões revestidos
por azulejos que refletem um passado de prosperidades. O conjunto de belezas arquitetônicas
e naturais, fez com que a Unesco reconhecesse a cidade de São Luis como patrimônio
da Humanidade. Uma cidade que tem igrejas seculares, praças bonitas, um centro
histórico para apreciar e preservar.
São Luís tem um dos carnavais mais originais do Brasil.
Apesar das várias tentativas de “contaminá-lo” com o lugar comum do “axé
music”, no circuito tradicional, ouve-se e dança-se ao som de músicas compostas
por autores maranhenses. A única concessão que se faz naquela rota é para as
marchinhas tradicionais de carnavais antigos. Cantadas, principalmente, pelos
irreverentes “blocos de sujos” que junto com os “fofões” dão ao carnaval
maranhense um toque único de autenticidade.
No período junino, São Luís oferece um dos mais belos
espetáculos folclóricos do Brasil. Os festejos juninos de São Luis também têm
as danças de “quadrilhas de jovens”, que é o forte das badaladas festas em Campina
Grande, na Paraíba, e em Caruaru, no estado de Pernambuco. Contudo, é apenas
uma parte pequena do grande festejo que toma conta da cidade naquele período.
Nesse período predominam as danças do Bumba-boi, com diferentes sotaques,
poesias, toadas e ritmos, que invadem as noites e atravessam madrugadas numa
mistura de cores e magias contagiantes.
Nada disso serviu de inspiração para os doze (12), isso
mesmo, foram doze, os autores do “Samba-Enredo” da Escola de Samba “Beija-Flor”
de Nilópolis, Rio de Janeiro, deste ano de 2012, supostamente para homenagear
São Luis. A letra do Samba tem 30 linhas. Segue-se que cada autor teve a tarefa
pesada de escrever 2,5 linhas. É prá tirar o chapéu, sem duvidas, para a
capacidade que esses doze “enredistas” tiveram de trabalhar coletivamente.
Escrever a 24 mãos é um exercício dificílimo, ainda mais quando, cada par de
mãos, tem que exaurir-se para registrar 2,5 linhas em quase um ano de árduo
trabalho. É tarefa inimaginável até para os grandes poetas e escritores.
Não obstante isso, o Samba-Enredo que produziram seria um
excelente insumo para o inesquecível Sergio Porto, que assinava as suas crônicas,
sempre repletas de bom humor, pelo singelo pseudônimo de “Stanislaw Ponte-Preta”.
Imortalizou-se ao cravar a sigla: FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o
País, muito atual depois que inventaram o “politicamente correto”). Criou uma música
antológica que foi gravada, originalmente, pelo “Quarteto em Cy”, um conjunto de
moças afinadas que brilhou no cenário musical brasileiro, no tempo em que se
ouvia sons de qualidade nas rádios AM e FM. A música chama-se “Samba do Crioulo
Doido”. No humor cortante de Stanislaw, aquele seria um “Samba-Enredo” típico
das escolas de samba do Rio de Janeiro da época, muito parecido com o produzido
pelos “enredistas” da Beija-Flor.
Neste caso do samba que “homenageou” São Luis, a dúzia de
“enredistas” enveredou pela surrada trilha de misturar sincretismo religioso
com misticismo. Certo que São Luis tem muito disso tudo. Mas eles exageraram na
dose, apesar de se reconhecer que os poetas devem ter liberdade de criação e de
excederem em metáforas. Daí a ver na selva de prédios de cimentos que toma
conta da cidade, os sabiás da poesia de Gonçalves Dias, é forçar demais!
Infelizmente não se ouvem cantos de sabiás em palmeiras de São Luis, por duas
razões singelas: inexistem as palmeiras e os pássaros. As palmeiras são vitimas
de devastação em todo o estado. Os sabiás restantes cantam em outras paragens,
bem longe do tumulto que é a vida na São Luis de hoje. Além disso, até onde se
sabe, o beija-flor é um pássaro que, para coletar o néctar das flores que
“beija”, permanece parado no espaço batendo as suas asas a uma velocidade
incrível. Não se ouve o seu canto, se é que existe, como quer a dúzia de
“enredistas”, mas se pode apreciar um dos mais belos espetáculos da natureza.
E pensar que para produzir essa “homenagem” os cofres
públicos maranhenses sangraram com a bagatela de dez milhões de reais, com a
aquiescência do seu Governo! Com essa grana se construiriam 500 casas populares
para abrigar famílias de São Luis que moram nas famigeradas palafitas. Esse
ervanário poderia, alternativamente, ser injetado na produção agrícola do
estado. Ou ainda, ser usado para melhorar o acesso à água encanada e ao
saneamento, duas das maiores chagas de São Luis. Na contramão, foi fazer a
festa, literalmente, de bicheiros no Rio de Janeiro. Estado rico é outra coisa!
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
Escreve aos sábados para o Jornal O Imparcial.
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