domingo, 19 de fevereiro de 2012
Carnavais de Todos os Tempos
José Lemos*
Eu tenho uma sinergia muito forte com o carnaval. Tudo começou com o meu
nascimento que aconteceu numa sexta-feira “gorda” em Paricatiua, Bequimão.
Menino e adolescente em São Luis, morando no “Caminho da Boiada” rua que
fica num setor onde o carnaval sempre foi muito intenso em nossa terra. Por aquele
circuito os folguedos chegavam ao “Canto da Fabril”, seguiam a Rua Oswaldo Cruz,
até a Praça Deodoro. Desciam as ruas de São Pantaleão, ou do Norte e chegavam à
Madre Deus. Era o polígono mais denso da folia mais intensa de São Luis.
Dia desses recebi uma mensagem, dessas que circulam na internet aos montes,
que leva a uma reflexão interessante. A mensagem diz que experimentamos a “porcaria
da velhice chegando” (PVC) quando começamos a acreditar que as coisas boas
aconteceram no passado e que tudo (ou quase tudo) no presente não serve.
Eu prefiro fazer a leitura da mensagem de outra forma. Quando se tem vinte e
poucos anos não se tem historia ainda. O nosso passado, nessa faixa etária, é ainda
vazio de eventos marcantes. Não temos muitas lembranças. Temos um futuro que
acreditamos ser infinito. Em geral olhamos para frente como se jamais chegássemos à
fase mais adulta. As pessoas mais idosas são encaradas como ultrapassadas. Este
conflito, em geral, começa dentro de casa com os nossos pais a quem chamamos
pejorativamente de “velhos”.
Talvez as reflexões que faço sobre o carnaval de hoje, e aqueles que vivenciei
intensamente na fase infanto-juvenil, quando morava em São Luis, tenham a ver com a
mensagem que eu recebi na internet. Mas eu prefiro admitir, até em defesa do meu
orgulho próprio que, de fato, tivemos uma fase de ouro na criação de músicas
carnavalescas num passado que nem é tão remoto assim.
Não precisa ser muito avançado em fevereiros para ter vivenciado aquele
período fértil da criação musical. Estou falando não apenas de músicas de carnaval, mas do cancioneiro em geral, inclusive no cenário internacional. As pessoas na faixa dos quarenta anos testemunharam carnavais de muita autenticidade. Autenticidade e
irreverência que devem ser as marcas registradas do carnaval. Mas até isso lhe foi
subtraído, na medida em que o poder público (leia-se políticos em busca de
popularidade fácil, que não conseguem por ações em prol do bem estar coletivo, mas
agindo em beneficio próprio e familiar) passaram a interferir nos festejos, distribuindo o nosso suado dinheiro para aquelas organizações carnavalescas que se propuserem, comocontrapartida natural, fazerem reverências e homenagens ao poderoso que lhes financiou. O dinheiro público, que deveria ir para a educação, saúde, saneamento, segurança, é desviado para festejos que aconteceriam normalmente, como sempre o fizeram no passado. Bom, se isso é saudosismo eu acho que já estou acometido de PVC.
Não precisa ter gosto musical acurado, para vislumbrar uma diferença de
qualidade melódica e de lirismo no que se produziu no passado e no que se produz
agora, sobretudo depois que o “Axé music” e o “Forró Eletrônico” passaram a fazer
parte dos carnavais nas praias, Brasil a dentro e a fora. As músicas (ou o que se
convencionou chamar assim) são tão efêmeras e ruins que não resistem a dois carnavais
seguidos. A cada ano “surge uma nova onda”. Teve a onda de “fazer bunda-lê-lê no
meu AP”. A deste ano é a “se eu te pego, ó”. Não podemos comparar essas “coisas”
com as jóias musicais que se eternizaram nos carnavais. Com certeza, os jovens que se
embalam com esses ruídos eletrônicos efêmeros não o farão nos próximos vinte anos,
porque eles (os ruídos) se dissiparão como éter, sem deixar qualquer vestígio. Contudo,continuarão ouvindo, como eu e a minha geração, as músicas que se eternizaram.
São preciosidades como “Aurora”, uma composição de Mário Lago e Roberto
Roberti de 1940. Braguinha criou “Balancê”, em parceira com Alberto Ribeiro, em
1936. “Abre Alas” (Ô abre alas que eu quero passar...) foi escrito por Chiquinha
Gonzaga em 1899. “Cabeleira do Zezé”, que se fosse escrita hoje teria problemas com
as babaquices inventadas do “politicamente correto”, é de 1963, e saiu da verve de João Roberto Kelly. E a inesquecível: “Você pensa que cachaça é água / Cachaça não é água não...” que foi composta por Mirabeu, Lúcio Castro e Heber Lobato, para o carnaval de 1953, e nunca mais deixou de ser cantada nesta época do ano. Zé Kéti e Pereira Melo compuseram “Máscara Negra” em 1966 (Quanto riso oh, quanta alegria / mais de mil palhaços no salão...). Marcha-Rancho obrigatória em todos os carnavais desde então. Não há quem não a cante. Jovens, adultos, idosos. Todos se embalam, beijam, bebem e amam ao som dos acordes dessa e de todas as músicas de uma época de ouro.
Estou convencido de que apenas não serão acometidos de PVC aqueles que, por
infortúnio, morrerem muito jovens. O que desejamos para ninguém. Feliz carnaval!
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. Escreve aos sábados neste
espaço. Publicado ontem no jornal O Imparcial, de São Luís [MA], e aqui, com autorização do autor.
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